por Helvecio Santos (*)
Houve um tempo em que a gente olhava pra um sujeito e via logo que aquele infeliz ia pro inferno.
Perguntava-me, então, como seria aquela vida de expiação e queimação, virando churrasquinho dia e noite, sem poder contar com hipoglós para aliviar a ardência e nem ao menos um ventiladorzinho para um fresquinho pois, na remota hipótese de ter conseguido levar aquele rotativo comprado em doze suaves prestações, se ligado, ao invés de refrescar ia aumentar a fogueira?
Como o mundo gira e a modernidade nos proporciona oportunidades mil, hoje não se vê pessoas com o tipo característico dos futuros habitantes do mundo das trevas e nem é preciso comprar a salvação como nos tempos em que os religiosos praticavam a simonia.
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Já vai longe o tempo em que de tão abastecidas com lingotes de ouro, caravelas com religiosos rumo ao nosso irmão ou patrão luso, iam a pique e os náufragos eram comidos em suntuosos banquetes pelos caetés que não precisavam nem de fio dental, tão macias eram as carnes.
Hoje, a facilidade de salvação é tanta que só vira churrasquinho quem gosta de calor. Qualquer um pode adquiri-la em suaves prestações mensais através de carnê e, como quem mais dá mais recebe, vai depender de cada um ou melhor, de cada bolso, o lugar que irá ocupar nas alturas e não estou falando de viagens em naves tripuladas.
Não! Estou falando do que diariamente vimos nas televisões e ouvimos nas rádios, nos serviços de alto falantes e nos sons encarapitados nas mais altas torres. É certeza de céu e não é o da boca das minhocas. É dar muito e obter muito. É ter certeza de moradia grande lá no alto, modelo minha casa minha nuvem, com direito a anjinhos de brinde na área comum.
Com tanta facilidade, só mesmo quem quiser vai pro beleléu.
É certo que o rebanho é grande e aumenta com o combustível de um “Brasil Carinhoso” mas, verdade seja dita, os facilitadores da salvação também se multiplicam em escala geométrica.
São homens de boa vontade que abandonaram tudo o que tinham para se entregarem a uma vida de salvação, de dedicação aos outros. Alguns até, para socorrerem mais rápido, compram helicópteros e aviões, pois tem coisas que não dá pra deixar pra amanhã. Vai que o cara morre hoje! Não dá pra bobear! A velocidade do helicóptero ou do jatinho garantirá às almas apressadas o devido gozo paradisíaco.
À vista disso, a contemporaneidade nos surpreende ao lembrarmos que nos primórdios, um jumento, emprestado, foi o mais avançado meio de transporte utilizado para esse mesmo trabalho. Observa-se então um salto de qualidade muito grande! Conforto, eficiência, pontualidade e, no final, a aeronave particular volta pro hangar, ao contrário do jumento que foi devolvido ao dono.
Também naquela época nenhuma igreja foi construída, ao contrário de hoje.
Pra todo lado se vê igrejas, umas abrem, fecham e logo vão abrir n’outro lugar, onde a seara é maior e mais almas precisam de salvação. É uma bem aventurança ver tanta dedicação. Emociona mesmo!
Moro em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, famoso por ser berço do samba e do Noel Rosa. Gosto do bairro pois, entre outras coisas, nele me sinto vingado, em parte, dos pecados enfiados goela abaixo pelo capitalismo. Explico: Vila Isabel é o único lugar onde vi um Mac Donald’s fechar. Juro! Também é o único lugar que conheço onde o shopping não matou o bairro. O bairro não vive em função do shopping. À noite tem mais gente no Boulevard (que chic!) 28 de Setembro, espinha dorsal da Vila, do que na catedral do consumo. E tem outra “santidade”! É o bairro que tem mais “butiquim” por metro quadrado.
Mas, assim como no resto do Brasil, na Vila também grassam as casas de salvação, como se sambista tivesse pressa pra ir pro outro andar. Sambista quer ir pro Renascença, pra Quadra da Vila, pra rua do Petisco, pra praça do Planeta, pras rodas de samba que se formam a cada esquina ou, mesmo, até pra comparar, dar uma chegadinha no Salgueiro que fica logo ali. Dá até pra ir a pé.
Voltando ao espiritual, são tantas denominações dos templos que pouparei os leitores de relacioná-las, mas não posso deixar de admirar a imaginação dos ditos senhores da salvação em nomeá-las.
Às vezes em um quarteirão têm dois ou mais templos, de modo que o dono da alma pode escolher por qual denominação quer conseguir a salvação.
O bom disso tudo é que não mais se vê gente com cara de tristeza por ter a certeza de que iria pro inferno. Tristeza somente pelo salário baixo, pela condução apertada, pelo trem atrasado, pelos hospitais sucateados e outras desditas mais. A salvação não é problema e não faz ninguém mais ficar de cara feia. As que existem são de nascença mesmo e essas não tem jeito, às vezes nem com plástica.
Já vai longe aquele tempo de sofrimento, de ameaças do capeta. Hoje a salvação vem pela televisão, pelas ondas do rádio, pelo ajuntamento de multidões nos templos ou ao ar livre e até pela internet.
As chances estão por todo lado!
Assim, quem deve estar sofrendo é o capeta que, encapetado, qualquer dia, por falta de clientela, abandonará o barco ou melhor, o braseiro, depositará as chaves perto do seu embrião tostadinho e, fantasiado de si mesmo, desfilará na Vila olhando aquelas mulatas de fazer qualquer demônio virar santo, mesmo que seja santo de pau oco.
Seguindo a tendência, fundará o PSI – Partido da Solidariedade Infernística e, para estar na moda, fará umas alianças profanas para chegar ao poder, se cercará de “competentes” assessoras e dará tchau àquela vida infernal. Dará?
Quem sabe ele não descobrirá que o inferno é aqui mesmo e o diabo somos nós?
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* Santareno, é advogado e economista. Escreve regularmente neste blog. Reside no Rio de Janeiro.
Caros Celia e Jonivaldo Sanches, se me permitem, recomendo, entre outros, a leitura de “Fogo sobre a Terra – a mentalidade medieval e o Renascimento”, de William Manchester, da Ediouro. É uma viagem esclarecedora e tenebrosa. TAPAJOARAMENTE AZUL,
Helvecio Santos,
se puder, leia: “Eunucos no reino de Deus: mulheres sexualidade e igreja católica”, de Uta Ranke Heinemann; editora Rosas do Tempo.
Acredito em Deus, um Deus do amor nunca do temor, isso é próprio dos homens que querem dominar outros homens, e não do Deus q eu acredito.Acredito em um Deus q não é sexista, homofóbico, racista ou q nos divida em classes sociais.
Embora entenda o dízimo, minha felicidade e/ou salvação nuncadependerá do q tenho, ela não tem preço e sempre estará nas coisas mais simples e independe dos meus recursos financeiros.
Acredito em Deus, mas não em religiões, principalmente aquelas q, para se imporem, desmerecem todas as demais chamando-as de “coisa do diabo.”
Basta ver a história, é estarrecedor saber o quanto já se matou, roubou, usurpou, etc… em nome de Deus, quando tudo isso nada mais foi q a vontade dos homens pelo poder
enfim, parabéns pelo seu texto e certeza q se nós tivéssemos vivido em outra época, já teríamos queimado na fogueira…rsrs
abraços
Born, pelo pouco que v. expôs, somos abraçados pelo mesmo DEUS, um DEUS que é expressão máxima do AMOR, razão porque também atende por ESSE nome. Inferno como nos ensinaram um dia, não existe. Inferno nada mais é do que a ausência de DEUS. Meu DEUS não castiga, somente ampara, protege, abraça. Aliás, se nosso pai que é humano nos perdoa “n” vezes, como DEUS que é perfeito e de amor infinito, irá nos creditar poucos anos de vida para nos condenar à vida eterna? Obrigado pela indicação do livro. Lerei. Abraços a todos que participaram do debate. TAPAJOARAMENTE AZUL,
Obrigado pela pela recomendação. Em que pese ter uma outra ótica que não é a da valoração axiológica do tema pessoalmente acredito ser importante que a sociedade debata esse temas como esses sobre as mais diversas óticas. Procurarei acesso e leitura dessa obra. Um abraço!
Não me causa espanto tudo isso. Há séculos e séculos isso tem sido assim. Existe igreja que vendia salvação até para famílias de quem já havia morrido. Criou-se até um local que não era céu nem inferno para onde as almas iriam e de lá poderiam ser retiradas com o pagamento do “justo preço”.
Essa igreja contruiu um Estado todo com dinheiro dessas vendas.
Ainda hoje ela possui até banco. Para que uma igeja quer ter um banco? O salário dos seus sacerdotes é um mistério bem como o tamanho e valor do seu patrimônio, embora ele seja construido a partir do dízimo dos fiéis.
Há igreja ainda na qual a democracia é uma quimera, por se acharem representantes de Deus na terra os seus sacerdotes defendem a partilha no hora da arrecação das ofertas e dízimos, porém se reúnem a portas fechadas para escolha dos chefe da igreja, cuja chefia é exercida perpetuamente.
É de fato as instituições reliosas precisam mudar, porém essa mudança é necessária não é de hoje.
Pobre coitado.
Escreve bem, mas cego.
Completamente cego.
Coitado de quem escreve no animato. Escreve mal é covarde e não respeita opnião alheia. Lamento!
Parabéns pelo texto!
A salvação hoje é produto de consumo onde o “cliente” escolhe o fornecedor, o preço e a forma de pagamento. Tudo isso sem direito a barganhas! Ou dá, ou “desce” – e de preferência pro inferno!
As faixas e placas diante dos templos com promessas de curas, milagres, recompensas financeiras, restauração de lares e relacionamentos ratificam isso, embaladas em discursos de pseudo-pastores de almas com formação do tipo” fastfood.”
É a exploração da fé, a banalização do sagrado, a prova da debilidade de uma parcela da sociedade que busca – erroneamente – no exterior algo que se encontra no mais íntimo recanto do ser, a partícula Divina.
Paz e Bem!