A saga por detrás da padaria mais famosa de Alenquer. Por Silvan Cardoso

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A saga e a garra por detrás da padaria mais famosa de Alenquer. Por Silvan Cardoso
Chico Souza caminhando em sua fazenda em Alenquer: saga e garra. Fotos: Álbum familiar

Quando se fala o nome “Chico Sousa” em Alenquer (PA), o primeiro pensamento de qualquer alenquerense é logo na mais famosa padaria da cidade, a Panificadora Chico Sousa. Mas é bom logo levar ao conhecimento dos leitores, para aumentar mais a curiosidade, que Chico Sousa nunca foi panificador. E que a sua história de vida é tão inimaginável que muitas pessoas ficarão surpresas diante dos relatos que virão nos próximos parágrafos.

Francisco Nonato de Souza nasceu no dia 17 de março de 1931, na comunidade Costa do Lago, no município de Santarém. Daí vem duas curiosidades: diferente do nome da panificadora, ele foi registrado com a forma de escrita “Souza”, também diferente da sua mãe e de seus futuros filhos, que seriam registrados com a escrita do sobrenome “Sousa”; e ele é natural de Santarém. Há quem pense também que ele seja alenquerense de nascimento.

Seus pais foram Raimundo Nonato de Souza e Antônia Dias de Sousa. Francisco era o terceiro de oito irmãos. Nasceu numa comunidade de várzea, onde, desde pequeno, teve que lidar com as adversidades. Ainda na Costa do Lago, precisou ficar sob os cuidados de Herpídio Souza, que era seu tio paterno. Lá, o pequeno testemunhava os mais diversos tipos de atividades relacionadas aos moradores dessas comunidades.

Quando tinha entre 5 e 6 anos, Francisco e seu tio Herpídio tiveram que viajar para Alenquer, desde a Costa do Lago, numa canoa à vela. Durante toda a viagem, Herpídio precisou remar até o seu destino. Já em Alenquer, e mesmo o tio exausto e com um cansaço que o consumia, precisaram atravessar o Lago do Curumu sob um intenso temporal.

Quando já contava com 8 anos, Francisco já estava trabalhando e ajudando o seu pai cortando capim para alimentar gado. Apesar disso, ainda tentou estudar. Mas seus primeiros contatos com a sala de aula foram tardios, somente com 10 anos, na comunidade Uruxi. Porém, não durou muito. Seus estudos foram até o terceiro ano do primário.

Mas desse tempo, conheceu uma mocinha, chamada Laura, que o encantou de vista. Mas que, depois que ele deixou os estudos, não a viu desde então, embora ela não saísse de seus pensamentos.

A infância e adolescência do pequeno Francisco foram quase que exclusivamente no trabalho. Já com 14 anos, trabalhou com o senhor Manoel “Português”, filho do lusitano José “Português” Oliveira, numa embarcação que fazia transporte de castanha do pará, da então vila Curuá para a cidade de Alenquer.

Passados os anos, em 1953, Chico Souza, como passou a ser chamado o jovem Francisco, reencontrou Laura, a menina que o encantara na infância no breve tempo de escola. Casou-se no mesmo ano, no dia 30 de novembro, quando ela tinha 19 anos.

A jovem passou a se chamar Laura Quaresma de Sousa, que mais tarde seria carinhosamente chamada de Dona Lulu. Ambos foram morar na comunidade de várzea Igarapezinho, onde Chico foi trabalhando como vaqueiro.

Morar na várzea já estava ficando complicado, especialmente porque ambos tinham uma criança recém-nascida, chamada Francisca. Além disso, a pequena ainda tinha problemas respiratórios, o que exigia mais cuidado. As enchentes estavam ficando cada vez mais frequentes, o que os obrigou a deixar a moradia naquela comunidade. Foi necessário mudarem para a comunidade Uruxi.

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Chico Sousa em uma pescaria no rio Surubiú, por onde muito remou para sustentar sua família

Lá, seu Raimundo, pai de Chico, deu-lhe um terreno. Mas o terreno ainda estava com árvores e matos. Tinha muita coisa para ser feita. Para limpar o local, precisaria de recursos financeiros. Então, sem se intimidar diante dos desafios, passou a pescar nos rios de Alenquer, como forma de conseguir alguma renda para cuidar e sustentar a família, além de providenciar materiais para limpar o terreno.

Depois de limpo e com o terreno em condições para construir, conseguiu coletar madeiras e palhas para levantar um tapiri, ou uma choupana, a sua primeira residência. Ainda não estava em condições dignas para manter uma família da forma ideal e como ele queria, mas o que tinham era usufruído da melhor forma possível, levando em conta de que era muito melhor do que o lugar onde estavam vivendo antes.

A asma tomava conta da pequena Francisca, que ainda precisava de remédios para manter a sua saúde. A renda com as pescas já não estava dando conta. Foi necessário emprestar dinheiro de seu sogro, Manoel Laurindo, que emprestou, mas de forma humilhante. Os desafios eram cada vez maiores. Chico não desistia. Era preciso encarar tudo o que viesse.

Lançava-se às águas e demorava 3 dias longe de sua casa para pescar. Entretanto, não se limitou somente à pesca. Buscava por outras formas de obter recursos, como extrair lenhas, extrair pedras e produzir carvão. De todo jeito Chico Souza procurava obter dinheiro.

Com o passar do tempo, tiveram mais uma filha. Deixou a várzea e embarcou para as comunidades na Colônia Paes de Carvalho, na PA-427, em busca de mais serviços.

A família continuou crescendo. Já tinha 3 filhas e elas já estavam numa idade ideal para estudarem. Mas para entrarem numa escola, o pai precisaria deixar os trabalhos no interior para morar na cidade. Não teve outro jeito. Foi toda a família morar na zona urbana de Alenquer.

Na cidade e com um bom dinheiro disponível, Chico Souza comprou um carro de boi. Já o boi ele ganhou do seu pai. Com um novo equipamento de trabalho, passou a ser o mais novo carreiro de Alenquer, fazendo vários fretes nas ruas da cidade. Chico não parava. De todo jeito realizava alguma atividade para o sustento de sua família, especialmente depois que nasceu a sua quarta filha.

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Padaria Chico Sousa, com “s”, do filho José: Nesse local, funcionou uma das quitandas de Chico Souza

Houve um episódio em que o jovem trabalhador precisou sair para extrair lenha. Foi um longo dia de trabalho e de muito cansaço. Era um 1º de setembro. Depois que ele terminou o serviço, foi caminhando de volta para a sua residência.

Entretanto, ficou bastante abalado ao se deparar com a sua casa totalmente destruída por um incêndio. Além da família, foi também salvo do fogo uma mesa, que ainda teve uma parte danificada, e uma mala, que guardava as suas economias.

Sem ter para onde ir, precisou se abrigar na casa dos sogros, no bairro Aningal. Era o momento de recomeçar e encarar as imensas dificuldades que pareciam aumentar, principalmente por não possuir quase nada do que tinha conquistado com o seu esforço.

Adquiriu uma parte do terreno da casa em que estavam, onde Chico construiu uma pequena quitanda para que nela fossem vendidos peixes e bananas. Sua esposa e sua filha mais velha ficariam trabalhando na quitanda, enquanto Chico Souza trabalhava na carroça pela cidade.

Trabalhava na carroça e também se aventurava nos rios para pescar. Passados os anos, conseguiu construir uma casa de barro. Enfim, novamente tinha um lugar para ficar com a sua família. Muitas vezes, quando não pescava, comprava peixes e levava na sua carroça para vender nas comunidades do interior. Quando não vendia, trocava o que sobrava dos peixes por mercadorias para colocar na sua quitanda para fazer venda.

Com outras visões, Chico Souza arrendou um terreno do fazendeiro Quincas Araújo na década de 1960, onde passou a plantar, a colher, a lavar e a confeccionar fardos de juta. Para conseguir pagar as despesas e os funcionários, precisou emprestar dinheiro. E quem emprestou dinheiro para ele foi o libanês Aniz Jacob Gantuss, pai de Claudyr Aniz Gantuss, que seria prefeito de Alenquer de 1989 a 1992. Sua produção era tão vasta que chegou a vender para os próprios concorrentes.

Mas juta não se tornou o seu único produto. Sem perder o hábito de luta por coisas melhores, também plantou e colheu milho. A plantação ficou tão boa que estava pronta pra comercializar. Com uma produção boa e de qualidade, chegou a exportar sacas de milho para Manaus.

Chico teve uma grande recuperação financeira. Tanto que, a pedido de sua mulher, comprou um terreno na Travessa Lauro Sodré, para onde mudou a sua quitanda e onde passou a ser a nova moradia da família. Antes, o terreno pertencia à dona Maria Amarante.

Com o passar do tempo, foi construindo e melhorando o seu comércio, onde, além de vender peixes e bananas, também passou a comercializar outros produtos. Enquanto Chico Souza saía para trabalhar fora de casa, dona Lulu cuidava do comércio e da educação dos filhos. O casal já tinha 10 filhos.

Os filhos homens eram levados pelo pai para pescar ou venderem geladinhos caminhando pelas ruas de Alenquer. Porém, apesar de trabalharem bastante, os filhos nunca deixaram de estudar.

Chico ainda voltou a trabalhar com agricultura e pecuária no interior. Mas já estava com uma boa situação financeira. Seus filhos Rosivaldo, José e Sérgio seguiram o mesmo caminho do pai com o empreendimento.

A saga de Chico Sousa
Chico Sousa na celebração de seus 91 anos

Rosivaldo, além de ter trabalhado no garimpo, trabalhou com distribuição de trigo. Sérgio montou a panificadora Mega Lanche e José comprou o comércio de seu pai, onde montou a sua panificadora e batizou-a com o nome “Panificadora Chico Sousa”. Como se percebe nestas linhas, diferente do nome de batismo de Chico, que é “Souza”, o empreendimento foi colocado como “Sousa”.

Para celebrar seus 90 anos de vida em 2021, a família realizou uma grande comemoração. Uma delas foi a publicação do livreto “Memórias 90 anos – Chico Souza”, escrito por sua filha Laura e que foi distribuído somente para membros da família. Foi por este livreto que este texto foi baseado, além das conversas realizadas com o próprio Chico Souza.

A famosa panificadora, que se tornou uma das grandes marcas de Alenquer, é fruto de uma grande história de trabalho e superação de um personagem natural de Santarém, mas que viveu a maior parte de sua vida em solo alenquerense.

Viúvo, Chico costuma ficar hoje em dia na frente de sua casa, na Travessa Coronel Ramiro Duarte, ouvindo músicas clássicas do seu rádio e, quem sabe, recordando as histórias e aventuras que viveu ao longo de décadas.

<strong>Silvan Cardoso</strong>
Silvan Cardoso

É poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, de onde escreve regularmente no JC.

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2 Comentários em A saga por detrás da padaria mais famosa de Alenquer. Por Silvan Cardoso

  • Realmente é uma padaria que tem sua tradição, que infelizmente se perdeu no tempo, atendimento é péssimo, funcionários maus humorados, os donos não respondem um bom dia. Não é a toa que por mais antigos no ramo, nunca expandiram o negócio.

  • olá. Eu sou Alice Meireles de Sousa, caçula do seu “zé forte”, dono da Panificadora Chico Sousa. E, apesar de ser da família, grande parte dessa historia eu não conhecia9e sempre fui de perguntar e ouvir bastante sobre a vida do Chico Sousa, já que ele gosta de falar kkk).

    Obrigada pela homenagem ao meu avô!

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