
Certa vez, uma adolescente percebeu que estava sendo assediada por um vizinho, que já tinha uma idade madura. Toda vez que ela saía de sua casa, ou ele a desejava só por observá-la ou mexia com ela em toda oportunidade que se aproximava da jovem. Mas ela nunca cedia, embora não contasse pra ninguém o que estava acontecendo.
Passou-se o tempo e o assediador morreu, sem nunca ter conseguido quem tanto desejava. A mãe da menina foi ao velório, levando-a para ver o corpo. A adolescente, enfim, estava se livrando daquela pessoa que muito a incomodava.
Com o passar dos dias, a jovem passou a ter alucinações durante as noites. Não conseguia dormir direito. Ou ouvia vozes incômodas ou enxergava pelos cantos escuros da casa o rosto do velho assediador.
Todas as noites aquilo a atormentava bastante, chorando de medo e gritando por socorro, envolvendo, inclusive, a sua família, que queria entender o porquê daquela situação que a menina estava passando. Tornou-se um verdadeiro sofrimento.
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Nem exames médicos ou remédios por eles receitados resolviam tal problema. Mas houve alguém que logo deu uma sugestão: marcar uma consulta com a Dona Inez.
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Para lá levaram a menina, que em seu rosto era notável a dor e o sofrimento. Depois de muitas pessoas serem atendidas naquela longa fila, foi a vez da adolescente, que estava diante de uma mulher aparentemente simples, mas profundamente misteriosa.
Sem saber da história passada da pequena, a mulher disse que um velho que morrera estava a perseguindo, que em vida ele tinha feito pacto com São Cipriano e que, por não conseguir a menina que tanto desejava em vida, passou a procurá-la depois de morto. Tornou-se um encosto.

Depois que a jovem tomou alguns banhos que a Dona Inez receitou, finalmente o pesadelo se acabou. As alucinações com o velho assediador se foram, o encosto se foi e ela pôde dormir tranquilamente nas noites seguintes.
Dona Inez é um personagem tão importante para a cultura popular alenquerense que não há quem nunca tenha pelo menos ouvido falar no seu nome. Uma pessoa que, quem a conhece, guarda dela os mais diversos tipos de lembranças.
Quem nunca a viu, percebe em torno da sua figura muitos mistérios. Tantos são os mistérios que, na imaginação de quem nunca a olhou pessoalmente ou pelo menos viu a sua foto, surgem diversas “Inezes” na imaginação popular.
Para os que são fiéis à benzedeira, é uma pessoa admirável, que merece muito respeito. Aos que a ignoram, tratam-na como uma feiticeira, uma pessoa que “não é de Deus” e que faz coisas maliciosas.
Mas afinal, quem é Dona Inez? Para entendê-la, primeiramente a pessoa precisa ser imparcial quanto à religiosidade. Precisa ter a mente aberta para ler, assistir, estudar e entender as outras culturas religiosas.
O julgamento deve ser ignorado e a pessoa, disposta a conhecer as novidades, muito diferentes de sua realidade, precisa estar preparada para tudo o que ouvir sobre cada detalhe que possa lhe atemorizar.
Tratar de religião ou qualquer assunto do tipo sempre gera polêmicas, contudo, todas as pessoas precisam entender e aceitar a diversidade religiosa existente no mundo, especialmente no universo amazônico, sempre levando o respeito à frente de seus pensamentos e antes de qualquer decisão sobre o assunto. Para iniciar a narrativa de sua história, precisamos aprender e compreender algumas coisas. Primeiramente sobre curandeirismo.
Curandeirismo é uma prática em que o curandeiro, recorrendo a forças ocultas, afirma ter a capacidade de curar. Muitos desses sacerdotes são chamados, dependendo da crença e da região, de benzedores, médiuns, xamãs, pajés, pais de santo, entre outros.
A complexidade é notável em relação a esse assunto. Tal complexidade chega a ser ignorada por muitas pessoas, que não se dedicam a entender os detalhes e a importância de uma crença para aquele fiel que a segue. Muitos que escutam termos como “pai de santo” ou “benzedor” logo pensam maldade. Mas nem tudo é o que se imagina ou que se ouve por aí.

Inez de Jesus da Costa nasceu em Alenquer no dia 17 de janeiro de 1955. É filha do pescador Manoel de Jesus da Costa, vulgo Manoel Camisola, e da vaqueira Idalina de Jesus da Costa, conhecida como Dona Dadá.
É a segunda de um total de 15 filhos, dos quais hoje em dia apenas 9 continuam vivos. Manoel Camisola, nascido em 1927 e já falecido, era natural de uma comunidade de várzea de Alenquer chamada Surubiú-Mirim. Dona Dadá, filha de vaqueiros, nasceu no histórico bairro Luanda, no mesmo lugar onde mora até hoje, no auge de seus 91 anos, bastante lúcida. Dona Dadá trabalhou por muito tempo como vaqueira na comunidade Igarapezinho, na cabeceira do Lago Maracá.
Assim que Inez nasceu, a parteira “ajeitou-a”, lavou-a e colocou-a na rede com sua mãe para amamentar. Mas a criança não queria mamar. Passou a noite inteira sem se alimentar. Foi somente na manhã do dia seguinte, depois da mãe lavar os seios, que a pequena Inês finalmente mamou.
Ela sempre foi diferente dos seus irmãos. Ainda na adolescência e moradora da Rua Dr. Pedro Vicente, no bairro Luanda, morando praticamente na margem do Rio Surubiú, especialmente na época da cheia, a jovem costumava ver coisas que nenhuma outra pessoa via.
Algumas vezes via um barco navegando e, ao dizer à sua mãe do barco que passava no meio do rio, logo pegava ralho por “inventar coisas”, já que barco nenhum era visto como ela descrevia. Embora fosse sempre repreendida pelos mais velhos, Inez continuava a dizer que enxergava animais, ao mesmo tempo em que outras pessoas não viam.
Além disso, ela afirmava enxergar pessoas falecidas que a pequena nunca conheceu em vida. Eram situações que assustavam uns e admiravam outros.
Ainda na adolescência, Inez costumava ficar vários dias sem se alimentar, consumindo apenas água. Em muitas situações, desmaiava sobre o chão com o corpo enrijecido. Em outras ocasiões, a jovem mergulhava nas águas do Rio Surubiú e sumia nas profundezas das águas.
Seus parentes e amigos procuravam-na remando na canoa ou mergulhando à procura da pequena e misteriosa Inez, que preocupava sua família com todas essas situações, ao mesmo tempo que queria entender o porquê desses comportamentos estranhos.
Era a única de todos os irmãos que tinha aquele comportamento. Sua irmã Justina, nascida depois de Inez, era quem realizava os afazeres de casa enquanto a irmã mais velha lidava com essas situações diferentes do normal.
Era comum a família “Jesus da Costa” observar sereias na beira do rio, sereias que contemplavam os movimentos da natureza. Percebia-se o quanto ela era uma pessoa especial. E essa especialidade precisava ser valorizada e ser levada a sério.

Inez estudou somente até a 3ª série do 1º grau. E ao compreender o dom que tinha para ser rezadeira, passou a se dedicar para esse ofício. Foi entre 12 e 16 anos que passou a atender as pessoas que procuravam por soluções em suas vidas.
Inês foi curada pelo curandeiro conhecido como “Seu Neres”. No caso de Dona Inez, com as habilidades que tinha, “ser curado” é ser habilitado para exercer o ofício de rezadeira ou benzedeira. Seu pai de santo foi Aureliano Sousa.
Com 16 ou 17 anos, foi morar em Belém. Retornou a Alenquer aos 25 anos. Com 27 anos, foi morar no município de Manaus, onde trabalhou na Sharp Corporation. Lá, conheceu o peruano Juan Rolando Del Castillo Calle, que era mecânico de máquinas pesadas, com quem ela se casou. Inez passou a se chamar Inez da Costa Calle.
Voltou para Alenquer definitivamente quando tinha por volta de 39 anos de idade, voltando a morar com sua mãe, Dona Dadá, na Luanda. Seu marido passou a ser conhecido em Alenquer como “Peruano” por conta do seu país de origem.
Na década de 1990, Inez passou a morar com sua família na Rua José Leite de Melo, no bairro São Cristóvão. Sua fama de rezadeira sempre cresceu. Muitas pessoas procuraram-na de vários lugares. Não eram somente pessoas da zona urbana e do interior de Alenquer, mas passaram também a ir pessoas de Curuá, Óbidos, Oriximiná, Monte Alegre, Santarém, Manaus, Belém, entre outros lugares. Até médicos procuraram-na para algumas orientações sobre remédios naturais e certas doenças.
Dona Inez é uma espírita sacaca de linha verde de raízes, que entre as sete linhas da natureza espírita, atua com encante. Uma benzedeira que estuda todos os dias a natureza, as folhas e as raízes.
Ela afirma que o planeta Terra é formado por quatro mundos: o primeiro é o mundo dos encantes, que fica no fundo do mar. O segundo mundo fica no nível do mar. O terceiro mundo fica no nível da terra, que é onde vive a atual sociedade. O quarto mundo, chamado Vênus, e que fica acima do nível da terra, é para onde vão as pessoas que morrem, à espera do Juízo Final.
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Apesar disso, Dona Inez se diz católica e costuma frequentar as igrejas São Cristóvão, de bairro homônimo, e Santo Antônio, do Centro. Diferentemente do que muitos pensam, ela não se põe acima de Deus nem trabalha para seres malignos.
Inez é uma pessoa que tem Deus como seu alicerce e que as curas realizadas não são feitas somente por ela, mas pelos espíritos (ou cabocos) que a auxiliam no seu ofício.
Esses espíritos, por sua vez, são seres subordinados a Deus, para que se alcance o poder da cura. Sempre que uma pessoa faz consulta com a rezadeira, todas as orientações, receitas e garrafadas são feitas conforme dizem os seus cabocos.
Inclusive, ao atender ou conversar com alguém, as palavras são ditas de acordo com o que os espíritos orientam. Os ditos espíritos ficam no meio das duas pessoas – benzedeira e paciente – fazendo parte do referido diálogo.
Como afirma Dona Inez, além dos cabocos acompanharem o momento da consulta, outros espíritos vagam pela casa, um fica na porta de entrada recebendo as pessoas, outros ficam andando pelos quintais e outro fica na entrada do quintal acompanhando quem se aproxima.
Normalmente são atendimentos de dez pessoas por dia, todos agendados previamente por ligação de telefonia. Quem é responsável por agendar as consultas é seu filho Juan Carlos, que também recebe os pacientes quando chegam à sua casa, organizando por ordem de agendamento.
Na cidade, os atendimentos são na segunda-feira e no sábado. No interior da cidade, na Fazenda Coração de Jesus, localizado o Ramal do Escondido, os atendimentos são nos dias de quarta-feira e quinta-feira.
Na cidade, os atendimentos iniciam às 08h00. Mas horas antes já tem pessoas esperando na frente da sua casa. Marcar uma consulta já é a primeira dificuldade, pois normalmente quando se agenda, só tem vaga disponível para a outra semana. A segunda dificuldade é esperar. Uma consulta dura no mínimo meia hora, podendo se estender até uma hora e meia, dependendo do problema do paciente.
Como o quintal é grande, as pessoas se espalham no ambiente, cada um sentando onde se sentir melhor. É servido água e café aos que estão desde cedo esperando.
É comum as pessoas conversarem e compartilharem entre si as experiências com a benzedeira. Nesse ambiente de espera, que costuma ser das 08h00 até o fim da tarde, surgem amizades e fortalecimento de fé por uma pessoa tão solicitada por uns ao mesmo que é evitada por outros.

Quando chega a vez de ser atendido, a alegria toma conta do paciente, que entra com a certeza da cura. À mesa, Dona Inez, sempre simples na sua maneira de se vestir, de falar e de tratar as pessoas, lá está sentada com poucos objetos sobre a cômoda, como um livro de orações, um gel para massagem, um aparelho para medir pressão, uma Bíblia ou até ramos de plantas medicinais. O paciente conta seu problema de saúde e ela faz suas orações, sob as orientações dos cabocos.
Apesar da comunicação com espíritos, Dona Inez não lê Allan Kardec ou outros autores espíritas. Ela diz gostar de ler a Bíblia, mas somente quando está sozinha. Além disso, prefere também leituras de poemas, de histórias curtas e piadas. A leitura é uma das bases do seu conhecimento, não tendo, por tanto, redes sociais ou aplicativos de comunicação, como WhatsApp.
Ter a oportunidade de ser atendido ou conversar com Dona Inez é lidar com uma pessoa que fala de um jeito calmo e cativante. Costuma fazer bordados ao lado de suas inúmeras plantas medicinais que se encontram no seu quintal.
Sigilosa, ao sair de sua casa, Dona Inez não se identifica com as pessoas nos lugares públicos, mas cumprimenta aqueles que a conhecem e que com ela falam. Prefere mergulhar no anonimato quando está no meio do povo, longe de holofotes e de câmeras.
Na fila à espera de atendimentos, normalmente são encontradas pessoas simples, como um pescador da comunidade Igarapé do Lago, que uma vez Dona Inez descobriu apendicite nele, tendo depois encaminhado-o a um médico, que fez nele os procedimentos cirúrgicos e que hoje em dia vai até ela fazer consultas de rotina; pacientes como um morador da comunidade de várzea São Francisco, que afirmou que ela descobriu nele infecção urinária e gastrite nervosa.
Até fiéis de igrejas evangélicas são vistas na fila de espera, muitas vezes a pedido de pessoas que não podem comparecer, mas que entregam suas fotos e nomes para as consultas.
Como é de se esperar, o preconceito também persiste em torno da figura de Dona Inez. Longe de sua presença, muitas pessoas, normalmente religiosas fanáticas, agridem-na verbalmente, chamando-a de feiticeira e afirmando que ela “serve ao demônio”, além de acharem que a rezadeira se acha acima de Deus e que ela demonstra “ter poderes” para tratar das pessoas.
Porém, ela mesma afirma que tudo o que faz são por meio de orientações dos espíritos, espíritos esses que são servos de Deus. Dona Inez é, como se vê, a intermediária entre o sobrenatural e as pessoas que a procuram.
Além do mais, ela afirma que não usa a maldade com as pessoas, como reverter feitiços ou tratar de casos de adultérios. Sua missão é ajudar a curar os doentes ou contribuir, como ela puder, a todos aqueles que estão em grandes dificuldades e que necessitam de algum auxílio.
Independentemente do que forem pensar, Dona Inez sempre será uma figura memorável para a cultura alenquerense, vivendo sob críticas positivas e negativas, além de muitas dúvidas e de todo um mistério ao lembrar seu nome, de seu trabalho e prol do bem de todos.
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Sou do Paraná de São josexdos pinhais. Meu nome é ines e gostaria de saber se dona inez atende a distância.
Parabéns, pelo documentário, li para minha vó que tem 95 anos era vizinha de dona dada mãe de dona Inez e sabia de toda essa história. Foi emocionante.
Parabéns!
Parabéns!!! Pelo documentário da dona Inês pois ela e essa pessoa maravilhosa.