Gravada pelo craque do balanço Wilson Simonal, em 1968, a letra alegremente nos conduz a uma deusa “descendo a rua da ladeira, cheirando a flor de laranjeira, de saia branca costumeira”, fazendo o sol parar pra olhar e “com seu jeitinho tão faceira fez o povo inteiro cantar”.
A letra de Tibério Gaspar e música de Antonio Adolfo relata uma paixão de Tibério por sua professora na localidade de Anta, no Rio de Janeiro, quando ele tinha 8 anos, e que nunca foi revelado à musa pelo infante apaixonado.
Seu nome verdadeiro era Brasilina e foi trocado para dar mais sonoridade à música.
Loura, bonita, quando descia a rua da Ladeira, onde morava, fazia a alegria dos homens e trazia para si toda raiva das mulheres.
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Um dia Brasilina foi embora. Foi morar em Niterói, “Deixando versos na partida/E só cantigas pra se cantar” e “Naquela tarde de domingo/Fez o povo inteiro chorar”.
A monotonia da pacata localidade passou a ser curtida pelas “antas” e o vazio se instalou, para desgosto dos apreciadores do belo.
A música fez sucesso e Flavio Cavalcanti no quadro do seu programa de televisão “Os compositores e suas musas” resolveu promover o encontro dos dois.
Procurada, Brasilina falou que conhecia a música, que estava adorando tudo o que girava em torno e recusando fotos, filmagem e o convite, disse que gostaria que Tiberinho tivesse dela a imagem pela qual se apaixonara.
Esta história me foi mandada recentemente por uma amiga e embora não conhecesse, pela letra e pelo balanço, sempre gostei da música e por coincidência, também tive uma musa que lá pelos meus 12, 13 anos, sonhava em colocá-la nos meus “nervosos namoros de frangote”.
Como Tiberinho, tudo não passou de um amor platônico, inconfessado. A minha deusa só tinha olhos para um vizinho, mais velho e mais experiente.
Ainda lembro!
À tardinha, em seus vestidos floridos, no frescor de seus 15, 16 anos, todas comportadamente sentadas numa mureta que se estendia por uns seis ou sete metros sobre o praião que ornava a frente da cidade, bem na esquina do quintal da dona Nazaré, ali na Padre João com Vinte e Quatro de Outubro, paqueravam a rapaziada que ao cair da tarde disputava um aguerrido racha. De quebra, refestelavam-se nas delícias da tacacazeira que fazia ponto bem na esquina.
O racha dos moleques, meu caso, ficava num pedaço gramado da praia pertinho das cercas de madeira que guarneciam os terrenos das casas, todas voltadas para a Vinte e Quatro.
Postava-me estrategicamente sentado na areia a uns dez metros da mureta, no melhor ângulo que eu pudesse vê-la e só depois que ela se acomodava eu participava do racha.
Lá pelas tantas, eis que surgia o objeto dos meus sonhos juvenis, vestido florido, ”cheirando a flor de laranjeira” e minha mente viajava, viajava, sonhava que por alguma razão ela prestava atenção no esforço que eu fazia para apresentar o melhor do meu futebol para ela.
E num belo dia, para minha sorte, eis que ela senta de maneira descuidada e eu me deliciei. Um frenesi pecaminoso percorreu todo meu corpo mas por azar, logo ela percebeu, se recompôs e num impulso raivoso, levanta e desaparece no quintal da sua casa.
Eu pensei, boa coisa não virá! Mas, que importava?
Logo vem um chamado da minha doce e amada mãe. De pé, à sua frente, ela me perguntou se era verdade que eu ficara olhando para onde não devia. Diante da minha afirmação, ela me deu um carão que em complemento se seguiria por seis bolos de palmatória, e assim entreguei-me ao doce castigo.
Tão feliz estava que a cada “bolo” eu levantava a perna contrária e dava uma gargalhada. No terceiro “bolo” a mamãe e todos os que viam a cena estavam rindo e eu fui dispensado do castigo.
Pelo meu feliz pecado, achei que ficou barato e muito mais porque eu virei herói junto à molecada e nem precisei contar pois o fato, ou feito, gerou um certo zum zum zum e se espalhou que nem rastilho de pólvora.
Vida que segue, a família dela se mudou para Belém, “Deixando versos na partida/E só cantigas pra se cantar” e buscando graduação acadêmica, tempos depois eu viajei para o Sul.
Numa das minhas férias em Santarém ela, também em férias, apareceu lá em casa.
Nesse dia senti-me profundamente arrependido e envergonhado do “pecado venial” cometido.
Não sei se pela idade da minha Sá Marina ou pelo meu alargamento de visão, vi que o objeto de cobiça dos meus tempos de frangote não valia os três bolos recebidos e hoje, conhecendo a história da música tema, lamento que minha vizinha de adolescência não teve a dignidade da professora do Tiberinho.
Preferia a imagem dela que eu guardava na memória.
Enfim, a vida vale pelos nossos atos e por nossas boas lembranças e como meu HD é grande! Guardo nas gavetas da memória uma infinidade de boas lembranças vividas na minha Santa Santa Santarém, de uma inesquecível infância e adolescência numa Pérola de conto de fadas.
— * Helvecio Santos é advogado e economista. É santareno e mora no Rio de Janeiro, de onde escreve regularmente para este blog.
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Conto fantástico estimado amigo! Viajei no tempo com seu texto. O que é bom leio até o fim. Eu li até o fim e ainda queria mais. Espero que outras façanhas sejam contadas. Quanta inocência nessa época, se compararmos aos dias de hoje. Parabéns!
não existe mulher feia você é que é muito gito…