Fui buscar a solitude numa esquina do pão, não uma qualquer. Como no passado buscava no bar da esquina, companhia para o meu medo de estar só numa espécie de loucura natural da juventude. A que faz um jovem sair por aí, procurando os seus pares nessa estranheza que é viver.
Dessa vez estava há dias tomando um café, com um livro nas mãos e atento ao corriqueiro. Era consultado vez ou outra sobre algum assunto que o dono da pequena padaria achava que por possuir um livro, eu deveria saber.
Um intelectual de esquina, de padaria, era o máximo que posso ser com todas as minhas forças, com medo de ser confundido com um procurado, um desafeto, também de ser flagrado olhando para mulher de outro.
De vez em quando, uma pessoa conhecida me interrompia, uma chegou a dizer que havia sonhado comigo. Claro que sonho ruim, nem vou contar. Isaías, o profeta, alertou para o excesso de superstições.
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E seguia num café de esquina, eu, claro, Isaías deveria ter outras coisas além de receber profecias, ofício enfadonho, penso.
Como em Paris, nunca estive lá, mas imagino que seja simples: se senta, se pede um café, abre-se um jornal e o café lentamente é colocado no meio dessa cena tão romântica em ares europeus. E logo eu, que nem gosto de café, e nada que eu pense de utilitarismo, função social, vai fazer o pão e o café chegar todos os dias na mesa de quem encara isso sem charme algum, querem apenas sobreviver de manhã, após uma noite de sono mal dormidos, como é o meu caso.
— Leia também de Jorge Guto: Não era da minha conta. E ainda: O que o lúdico me impõe…
Não é fazendo charme, meu café na esquina e um livro. Não com uma mesa de plástico, uma toalha vagabunda, e um sons de veículos no miolo de pão do terceiro mundo. Embora a gentileza do comerciante em me arranjar um local sem sol, para plantar ali uma mesa e uma cadeira, é coisa de outro mundo.
E a minha cara também é negra, com relevos indígenas, de primeira mal encarado ou encaralhado, como queiram, eles, os outros, o tal do próximo que precisa ser amado, mas nem sempre colabora…
Mas só é a porta de entrada, que creio por alguns segundos ser amarga como um café, caso seu bebedor o peça assim. Com alguns minutos me revelo ser sensível, ponderado, nem de longe parece o cafuzo confuso que sou lá em casa.
Também não tem como ser charmoso numa esquina onde chega gente dizendo que sonhou comigo em situação de morte, ou quem me ache adequado para falar de política ou assuntos importantes, que na verdade só são naquele momento, depois o que importa mesmo é uma dinâmica, que teoria, plataforma alguma, alcança.
No mais, como disse, meus livros, minhas crônicas, meu café e meu ar pateta, meio poeta sem poesia, não irão fazer o pão chegar na mesa de quem precisa. Eu sou celíaco e nem como pão, e confesso aos inúmeros seres onde o que falta é dinheiro, fingisse também ser celíaco, e optar por um jejum intermitente.
Com fome e com esforço de não perder a pose, meu caso aqui, que nada tenho, e imagino que tenho todas as soluções do mundo, nas razões que me trazem pra essa esquina. Sinto muito em não lhes dizer no primeiro momento. Isso é coisa que se diga logo de cara.
➽➽ Jorge Augusto Morais, o Jorge Guto, é santareno, formado em direito e aprendiz da crônica reflexiva, em prosa, influenciado por uma tia, professora de literatura brasileira. Desde criança lê contos e escreve sobre dramas humanos universais, tendo como cenário uma Amazônia que pode estar na informalidade e no inusitado.
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