A Justiça Federal condenou o missionário Luiz Carlos Ferreira, ligado à Missão Novas Tribos do Brasil, por cessão ilegal de arma de fogo dentro do território indígena Zo’é, no oeste do Pará.
A sentença determinou 2 anos e 8 meses de reclusão, mas a pena foi convertida em prestação de serviços comunitários e multa de cerca de R$ 20 mil. O condenado poderá recorrer em liberdade.
O missionário foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2016, após investigações que comprovaram a ilegalidade da atuação dele junto ao povo de recente contato.
Luiz Carlos fez parte dos esforços da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB, hoje rebatizada como Ethnos 360) para contatar e evangelizar o povo Zo’é, iniciativa que provocou a morte de dezenas de indígenas e a expulsão dos missionários da região. Até hoje, eles estão proibidos de voltar ao local.
— ARTIGOS RELACIONADOS
Ao lado do castanheiro Manoel de Oliveira, Luiz Carlos Ferreira também foi denunciado pelo MPF por submeter 96 indígenas a trabalho análogo à escravidão, mas acabou absolvido por falta de provas.
Estatuto do Desarmamento
Oficialmente, a Missão se retirou da região, mas alguns missionários, como Luiz Carlos, permaneceram em fazendas vizinhas, posteriormente ligados à Igreja Batista de Santarém.
Na ação penal, o MPF acusou o missionário de violar o Estatuto do Desarmamento, por ter dado a um dos índios Zo’e uma espingarda sem registro e também de perturbar tradições indígenas, crime previsto no Estatuto do Índio. Os Zo’e são índios de contato muito recente, que não falam português e não usam armas de fogo para caçar.
O acusado confessou o crime, mas alegou que teria dado a arma ao índio Ipó Zo’e em 1998, o que significaria a prescrição da pretensão punitiva. O MPF conseguiu provar, à Justiça Federal, que a arma foi entregue ao indígena no ano de 2010, o que afasta a prescrição do crime.
A atuação de missionários/as na região é extremamente danosa, já tendo causado até epidemias mortais entre os índios. Por isso o Supremo Tribunal Federal determinou que a Fundação Nacional do Índio atue para impedir a aproximação dessas pessoas das áreas indígenas.
Integridade física
Na sentença, a Justiça destacou que a arma foi cedida “a uma população absolutamente vulnerável” e que “a introdução do armamento na realidade de etnia trouxe diversos riscos tanto para a integridade física dos indígenas quanto para a sua cultura”.
“A contração de doenças quando do contato para a aquisição de munição e a sedentarização do povo diante do seu uso para a caça são alguns doss elementos que exasperam a gravidade concreta da conduta”, diz a sentença.
A prática da Missão Novas Tribos foi considerada proselitismo religioso, “expediente de todo condenável, uma vez que viola frontalmente o princípio da autodeterminação dos povos indígenas e o direito à manutenção de suas culturas próprias, que, por sua vez, encontram inequívoco abrigo normativo na Constituição Federal de 1988, na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas e na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho”, afirma o MPF/PA.
Com a retirada da Missão da área, a partir da década de 1990 Manoel e Luiz Carlos passaram a atuar em associação para recrutar os indígenas para o trabalho de extração das castanhas. Só em outubro de 2010 a Funai conseguiu flagrar o crime. Nessa ocasião, 96 índios Zo’é foram encontrados trabalhando nos castanhais.
Após a retirada dos missionários da região, o povo Zo’é voltou a crescer demograficamente. Em 2019, ao finalizar seu próprio Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), os Zo’é disseram expressamente no texto que os missionários devem ficar longe do território deles.
Em janeiro de 2020 um ex-missionário também ligado à Missão Novas Tribos do Brasil, Ricardo Dias Lopes, foi nomeado para assumir a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai. O MPF luta na Justiça para reverter a nomeação.
Com informações do MPF
— LEIA também: PF investiga suposta fraude no concurso do TRE em sala da Ufopa em Santarém
Muito branda a pena imposta aos infratores. “A certeza da impunidade é que fomenta o crime”, segundo o Pai da Criminologia, Cesare Beccaria.