A eleição para o CFM (Conselho Federal de Medicina) reflete o que já sentimos na prática: a maior parte dos médicos se tornou negacionista e terraplanista.
Talvez isso se explique por aquilo que uma infinidade de depoimentos de pacientes atestam: a maioria destes profissionais tem, cada vez mais, uma formação científica, técnica e ética precária. E esse “cada vez mais” preocupa, pois significa que se tornou uma categoria perigosa para a saúde pública.
Aquela piada do paciente que chega com a perna quebrada e sai do hospital com uma receita para virose pode não ser apenas um escrache. Desde há muito, a corporação médica fecha politicamente com alas políticas da direita. Isso nunca foi um problema capaz de colocar em dúvida a capacidade científica e técnica destes profissionais, afinal, tem muita ciência e filosofia de ponta produzidas por pensadores de direita no Brasil.
Contudo, após Bolsonaro, a maior parte da corporação mergulhou, definitivamente, nos porões ideológicos mais obscuros e grotescos.
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Isso ficou mais evidente durante a pandemia do Covid-19, quando muitos médicos influencers, médicos políticos e médicos estrelas – outra tendência na categoria: ser influencer, político ou estrela – apareceram fazendo campanha contra a vacina, o distanciamento social, o uso de máscaras, prescrevendo remédios contra a doença sem comprovação científica e, até mesmo, defendendo fé, deus, espíritos e religião para tratamento de saúde.
Isto é, totalmente aliados e alinhados com a necropolítica, uma política visceralmente contra a vida, que se constrói sobre cadáveres humanos, sobre os cadávers da razão e da civilização.
Particularmente, mantive-me incrédulo, sem acreditar que fosse uma tendência generalizada, até porque tenho uma irmã e amigos médicos e a maioria não seguiu este comportamento de manada. Imaginei que se tratassem de manifestações isoladas de alguns desnorteados, mentalmente sequelados ou maus-caracteres.
Porém, a vitória de uma chapa dita conservadora – leia-se, antiaborto, que se vangloria de ser bolsonarista, cristã e, assim, negacionista – para o CFM indica que a situação é generalizada.
Médicos têm direito de ter inclinações ideológicas, mas o bolsonarismo não é uma simples ideologia: é um extremismo ideológico aliado ao que há de mais primitivo, grotesco e perigoso no caráter e no intelecto humano. Esse extremismo elegeu a ciência, as universidades, os professores, a pesquisa, a arte como seus inimigos.
Durante a pandemia, o bolsonarismo se aliou à morte não somente fazendo campanha antivacina, mas, também, retardando a compra de vacinas para enfrentar o vírus e se colocando contra todas as medidas racionais, científicas de enfrentamento daquela tragédia mundial.
A medicina é um dos expoentes da ciência, da razão, e uma das suas maiores divulgadoras, pelo encanto e pelas esperanças que projeta nas pessoas. Por isso, espera-se que um médico seja um sujeito embebido do mais profundo desejo e conhecimento científico; que seja comprometido com a ciência e, como tal, que a defenda e a divulgue.
Logo, quando este sujeito se alia, alinha-se, passa a defender e promover um viés ideológico extremista, visceralmente contra a ciência, a universidade, a razão, contra tudo aquilo que projeta a sua imagem e legitima a sua profissão na sociedade, então estamos, aí, diante de um profundo problema ético, existencial e de legitimidade social.
Repito: médicos tem o direito de ter ideologias, mas o bolsonarismo é um extremismo ideológico comprometido com a barbárie, a irracionalidade, o obscurantismo, a desvalorização da vida humana e a morte da civilização.
Há outras vertentes ideológicas e políticas de direita que representam com dignidade os interesses da corporação médica sem comprometer sua legitimidade e sem macular a inteligência e a decência intelectual, ética e técnica dos seus membros.
Em resumo, é delicado fazer esses questionamentos, mas eles precisam ser feitos porque, ao que parece, a barbárie se desprendeu e cavalga fora de controle neste meio: essa aliança entre medicina e bolsonarismo mostra que as faculdades de medicina estão fracassando terrivelmente na formação ética, científica e técnica destes profissionais? Ou, pior, estaríamos diante da formação em massa de Josefs Mengeles?
A pergunta não é retórica, porque já vimos médicos defender o uso da medicina para matar lideranças e simpatizantes da esquerda. Assim, esse ambiente político e ideológico extremado da corporação médica indica que estamos diante de um sério perigo à saúde pública e à civilidade.
Válber de Almeida Pires, paraense, doutor em sociologia e pós-doutor em socioeconomia. Escreve regularmente no JC. Leia também dele: O poder evangélico nas investidas sobre os conselhos tutelares. E também: Liberdade de expressão, pós-verdade e democracia.
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Que besteirol.
Baboseira.
Evitar que uma criança viável seja assassinada com uma injeção extremamente dolorosa no coração é ser negacionista?
Ter opinião contrária embasada em estudos científicos é ser terraplanista?.
A discussão está cada vez mais rasa.
Antigamente se discutia medicina baseado em critérios concernentes a profissão.
Hoje o médico é taxado de bolsonarista, terraplanista, negacionista….termos difundidos para politizar o posicionamento de quem discorda do “progressismo”.
Hipócrates está de revirando no túmulo.
Que tristeza.
A que ponto chegamos