Indígenas do Oiapoque identificam peças de Nimuendajú expostas em museu na Suécia

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Indígenas do Oiapoque identificam peças Nimuendajú expostas em museu na Suécia
Os três indígenas - Natã, Euvécio e Milton - já se encontram na Suécia realizando o trabalho. Fotos: divulgação

Embarcaram rumo à Suécia os indígenas das etnias Palikur e Galibi Marwono, juntamente com membros dos projetos Digital Repatriation e do Energia Limpa. Vida Sustentável, com objetivo de identificar peças, enviadas à Suécia por Curt Nimuendajú, em 1925, ano em que o etnólogo visitou a região do Oiapoque. 

Serão 3 semanas de trabalho de inventário das peças depositadas onde hoje é o Museu da Cultura Mundial, Gotemburgo, Suécia, e registro audiovisual para futuro documentário etnográfico e outras práticas de museu digital. Depois de 3 dias de viagem, os trabalhos iniciaram no último dia 6.

De acordo com Lilian Rebellato, coordenadora dos trabalhos de repatriação digital, os dois projetos estão integrados.

“O de repatriação digital tem financiamento do Governo Sueco, e iniciou em 2021, um dos objetivos é criar uma plataforma digital, trazendo esses objetos, digitalmente, de volta aos grupos indígenas responsáveis por sua manufatura no século passado. Além da digitalização de objetos, o projeto prevê também a digitalização de fotos, documentos e mapas da época, revelando a realidade dos grupos indígenas no início do século XX, e possibilitando a comparação com sua realidade atualmente recolhidos”.

Patrimônio artístico nacional

Como relata a pesquisadora e professora do Programa de Antropologia e Arqueologia da UFOPA (PAA), Curt Nimuendajú, através de Erland Nordenskiöld, que era diretor do Museu Etnográfico na época, enviou os artefatos com o objetivo de colecionar e registrar as sociedades nativas da América do Sul, não havia ainda uma legislação de proteção do patrimônio de 1925, que passa existir no Brasil apenas em 1937, com o Decreto Lei Nº. 30, decreto esse criado para proteger o patrimônio histórico e artístico nacional de interesse público de nosso país.

Nessas três semanas na Suécia, o grupo indígena vai identificar, dar significação e mostrar a importância do uso desses artefatos provenientes de suas respectivas etnias.

Ainda de acordo com a professora Lilian, uma das ações é a criação de materiais didáticos com esses artefatos, documentos e fotos digitalizados pelos pesquisadores indígenas, que são professores, artesãos e artistas.

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Natã dos Santos (Palikur), 51 anos, por exemplo, confecciona bancos sagrados utilizados em rituais. Essa técnica, herdada de gerações antepassadas, carregam um simbolismo muito grande e não podem ser expostos de qualquer forma.

Natã é bisneto do Pajé (Ihamwi em Palikur e Piai em Galibi Marworno), de quem o Curt Nimuendajú comprou e estabeleceu contato, em 1925.

“O pai do Natã chamado Wet, é considerado o último Pajé, falecido em 2018, Natã é herdeiro da técnica dos bancos, que possuem todo um significado em um ritual que se chama KaiKá ou Turé. Natã se lembra do tempo em que o Pajé se sentava para conversar, agradecer aos espíritos que ajudaram nas curas das pessoas. Então nós vamos fazer esse reencontro e estamos indo com a equipe de filmagens para fazer um documentário”, explica a coordenadora.

Lua grande e nova

Depois do falecimento do seu pai, Natã Palikur conta que passou a fazer este trabalho para não perder a tradição da sua cultura.

De acordo com ele, este banco sagrado não é feito para sentar-se. “Por exemplo, quando fazemos o banco, ele não serve para sentar-se em cima, ele serve para quando tiver uma festa, por exemplo, uma Festa de Turé, nós vamos usar este banco porque ele é muito respeitado. Essa festa da nossa cultura acontece quando a lua estiver grande, nova, aí nós fazemos uma dança”, explica.

Também estão na equipe que foi para a Suécia os professores indígenas Euvécio Labonte dos Santos (Palikur), 40 anos, e o Milton Galibi Nunes (Galibi Marworno), 39 anos. Eles farão a confecção de materiais didáticos para as escolas das aldeias.

“O objetivo é para que também se tenha uma continuidade desse conhecimento para as próximas gerações das etnias. Além disso, também temos a documentação das cartas que estão sendo traduzidas do alemão antigo, que está dando bastante trabalho porque os alemães hoje em dia não conseguem ler o alemão que Curt Nimuendaju escreveu porque teve uma reforma muito grande dessa língua na segunda década do século passado. Então, temos também essa área de pesquisa que está alimentando as plataformas de inteligência artificial para a tradução desse alemão”, relata a professora.

Resgate cultural

Para o Euvécio Palikur, a experiência de encontrar o patrimônio da sua cultura é perceber a cultura dos seus antepassados. 

Assim, olha eu, da minha intenção, é de chegar lá, é trazer, avistar mesmo, com os meus próprios olhos, se realmente é a cultura dos nossos antepassados. Aí, quando eu chegar lá, eu tenho a intenção de fazer registro, registrar, para poder trazer de volta para o nosso povo. E fazer materiais para os alunos, para ensinar isto: a cultura dos nossos antepassados.”, deseja o professor indígena Palikur.

Para outro professor indígena, do povo Galibi-Marworno, Milton Galibi, que também é artista contemporâneo, a oportunidade é uma forma de resgatar a tradição.

“Meu foco principal está relacionado a nossa dança tradicional que é o Turé. Muitos objetos que estão na Suécia, são praticamente desconhecidos pelos nossos jovens, hoje, na comunidade, e eu estou indo procurar saber o significado das marcas, do próprio formato dos artefatos, dos materiais os quais foram produzidos, para levar essa realidade para o meu povo novamente, para tentar trabalhar o resgate cultural em si”, disse.

Culturas nativas x viajantes

No início do século XX, explica a pesquisadora, era comum essa prática de buscar objetos de culturas nativas. E foi com este espírito do tempo, que o Museu Etnográfico de Gotemburgo e de Estocolmo, hoje chamado de Museu da Cultura Mundial, tiveram essa ideia de colecionar essas materialidades de culturas nativas.

“Acredito que na década de 1990, mudaram o nome do Museu que de Etnográfico, passou a ser chamado de Museu da Cultura Mundial, com todas as críticas que possam ser feitas e essa conceito singular. No final do século XIX e início do século XX viajantes, colecionadores, pesquisadores e curiosos saíram em busca de  artefatos representativos de culturas nativas ao redor do mundo, pois acreditavam que, com o capitalismo, sociedades tradicionais desapareceriam e com isso também essa cultura material e todo esse conhecimento. Nordenskiöld veio para América Latina, com levantamentos importantes de países como Bolívia, Argentina, Panamá, enquanto Nimuendajú permaneceu grande parte de sua vida entre as sociedades indígenas localizadas principalmente onde hoje é o Brasil”.

Membros dos 2 projetos reunidos no museu da Suécia

Por Talita Baena, jornalista

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