A depressão, que causou a morte por suicídio de duas pessoas de enorme visibilidade social em Santarém (PA) – um empresário e um professor – em pouco mais de 10 dias, voltou a ser tema de conversa entre amigos, familiares e nas redes sociais na cidade.
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“Metade das pessoas que se suicidam têm depressão”, afirma o neurocientista Walace Gomes Leal, da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em entrevista ao portal BJ, onde o ele também escreve sobre neurociências com regularidade.
“A depressão é uma doença que tira a vontade de viver, a motivação e enche a pessoa de pensamentos negativos. Ela ocorre por inibição dos centros de recompensa do cérebro, núcleos de neurônios que liberam dopamina ou serotonina e criam uma sensação agradável”.
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Para Gomes Leal, 50 anos, a família deve ficar atenta para os sinais que a pessoa acometida pela doença emite.
“Não permitir que o indivíduo se isole demais, conversar sobre o problema. Lembre-se que as pessoas depressivas que tiram a própria vida sempre estão sozinhas. Deve-se perceber os sinais”, aconselha.
Leia a entrevista exclusiva que ele concedeu ao BJ sobre o tema.
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— Por que depressão e suicídio, do ponto de vista da ciência, andam tão juntos?
— A depressão é uma doença que tira a vontade de viver, a motivação e enche a pessoa de pensamentos negativos. Ela ocorre por inibição dos centros de recompensa do cérebro, núcleos de neurônios que liberam dopamina ou serotonina e criam uma sensação agradável. A diminuição dessas substâncias químicas deixa a pessoa bem infeliz. Qualquer adversidade torna-se um grande fardo. Metade das pessoas que se suicidam têm depressão.
Ambas as condições podem ocorrer devido a diminuição da neuroplasticidade, a capacidade do cérebro adaptar-se a novas situações. Um estudo de pesquisadores da Universidade Columbia, em Nova York, sugere que a resiliência ao suicídio depende da neuroplasticidade.
Os pesquisadores acharam um volume maior do giro denteado do hipocampo, uma região neurogênica, nos cérebros de pessoas que tiveram depressão severa e não se mataram. Nos não resilientes, isso não foi encontrado. Outros aspectos estão envolvidos. Por exemplo, pessoas com transtorno bipolar suicidam se mais que outros indivíduos.
— A pandemia potencializou os casos de depressão, segundo dados estatísticos. Por quê?
— O Brasil é um dos países que possui mais casos de depressão e ansiedade no mundo e isso foi muito agravado pela pandemia. Segundo um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, houve um aumento de 90% de casos de depressão no Brasil em 2020.
Um outro estudo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostrou que houve um aumento de 80% dos casos de ansiedade. As desordens afetivas são o novo mal do século. São meio bilhão de pessoas no mundo com depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e outras desordens afetivas. São 300 milhões de pessoas no mundo com depressão. 12 milhões só Brasil.
O isolamento social, o medo da morte, a morte de amigos, parentes e 600.000 pessoas no Brasil, um governo inoperante e negacionista, a instabilidade econômica, tudo isso gera estresse e o estresse crônico, as adversidades da vida, são os principais gatilhos para depressão e ansiedade.
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— O que há de descoberta mais recente da neurociência sobre a depressão?
Uma das descobertas mais interessantes é o potente efeito antidepressivo da cetamina, uma droga conhecida por seus efeitos como anestésico geral (Ketalar). Descobriu-se primeiro em animais de experimentação que uma única injeção de cetamina em ratos com estresse crônico (modelo experimental de depressão) reverte os efeitos de depressão em horas. Como a própria cetamina vicia, os cientistas usaram uma modificação química da cetamina, as escetamina.
Esse fármaco foi testado em humanos e possui um potente efeito antidepressivo em horas. Além disso, como mostraram os testes realizados nos Estados Unidos, o spray de escetamina diminui a ideação suicida (vontade de se matar) em 24 horas, segundo os estudo clínicos. O problema desse fármaco é o preço elevado. Nos Estados Unidos, sem incluir impostos, um tratamento completo custaria em torno de 20.000 reais.
Um artigo publicado recentemente no periódico científico Nature, mostrou que a cetamina inibe um núcleo chamado habênula lateral, o qual inibe os centros de prazer do cérebro, os chamados centros de recompensa. Ou seja, na depressão os centros neurais que nos deixam felizes estão inibidos por uma conexão neural envolvendo a habênula lateral. A escetamina parece resolver parcialmente este problema.
— Aqui no BJ o senhor escreveu um artigo sobre os efeitos positivos de atividades físicas na depressão.
Sim. É uma questão científica interessante chamada Hipótese Neurogênica da Depressão. Ela diz que a depressão pode surgir da diminuição dos novos neurônios que são produzidos no cérebro adulto, em uma região chamada giro denteado no hipocampo. Vários estudos em animais mostraram que esses novos neurônios controlam o o estresse inibindo certas vias neurais que o facilitam.
Por exemplo, o hipotálamo libera hormônios que influem a função das glândulas suprarenais que ficam em cima dos rins. Essas glândulas regulam o estresse. Na situação de estresse crônico, elas liberam cortisol e outro hormônios que podem matar os novos neurônios do hipocampo gerando um ciclo vicioso: mais estresse, mais morte de neurônios, menos controle do estresse. Isso geraria depressão e ansiedade.
Como a atividade física é um potente indutor de neurogênese, ela serviria para minimizar os sintomas de depressão e ansiedade, principalmente quando praticada em ambientes naturais durante o chamado exercício verde. Isso é interessante, pois o exercício verde pode tornar-se uma importante terapia adjuvante para a depressão. Alguns psicólogos e psiquiatras já prescrevem atividade física para pessoas depressivas. Existe um grupo nos Estados Unidos que faz isso liderada pela neurocientista e psiquiatra Trace Shors. É o chamado MAP-TRAINING – treinamento físico e mental. Eles usam dança, como zumba, e meditação, como a atenção plena (mindfulness) para tratar pessoas com depressão e ansiedade.
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— Existe pessoas com predisposição para depressão?
— Sim. Em uma minoria dos casos, existem fatores genéticos que podem predispor indivíduos a depressão. São os chamados casos familiares. O mesmo é válido para ansiedade e é muito comum pessoas com depressão também terem ansiedade. Mas a maioria dos casos não tem uma base genética, são os chamados casos esporádicos. O estresse crônico é o principal indutor de depressão.
— O que os familiares, amigos, colegas de uma pessoa com depressão pode fazer para ajudá-la a superar esse quadro clínico?
— Muito apoio e companhia. Não permitir que o indivíduo se isole demais, conversar sobre o problema. Lembre-se que as pessoas depressivas que tiram a própria vida sempre estão sozinhas. Deve-se perceber os sinais. Acompanhar a pessoa em uma caminhada, uma corrida, a visita a um parque, é muito importante, pois, como mencionado, isso aumenta a neuroplasticidade.
O acompanhamento médico é fundamental, pois a depressão tem cura. Na maioria dos casos, antidepressivos podem ser usados. Além do tratamento com fármacos, a terapias adjuvantes mencionadas são muito importantes e em grandes centros de pesquisa no mundo elas já são indicadas. Inclusive muitas clínicas nos Estados Unidos já instalaram academias em suas dependências para que os pacientes façam atividade física.
O tema do setembro amarelo, o mês de prevenção e combate ao suicídio, foi: VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHO. O apoio para as pessoas com depressão e ansiedade é fundamental, pois estas desordens afetivas ainda são muito estigmatizadas na sociedade. Uma pessoa que tem sonolência excessiva, baixa alto estima e motivação pode ser tachada por ignorantes de preguiçosa, enquanto pode estar com depressão, umas das doenças mais abrangentes e graves da atualidade e que pode levar a morte.
A resiliência mental é maior força transformadora de realidades. Sem uma saúde mental adequada não avançamos em nenhum aspectos das nossas vidas. Isso deve ser altamente considerado pelas autoridades de saúde desse país, em todos os níveis de atuação.
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