Derrotamos Jesus Cristo todos os dias. Por Silvan Cardoso

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Derrotamos Jesus Cristo todos os dias. Por Silvan Cardoso

Pelo segundo ano seguido não houve Carnaval devido a pandemia da covid-19. E novamente foram vistas nas redes sociais publicações e compartilhamentos daquela imagem polêmica do desfile da escola Gaviões da Fiel, do Carnaval de São Paulo, em que retrata o diabo “derrotando” Jesus. Uma cena que causou um escândalo imenso tanto por parte das igrejas cristãs como pelos próprios cristãos, que, revoltados com esse ocorrido, passaram a fortalecer os compartilhamentos de links, vídeos e fotos legendadas desse desfile, como forma de protesto e alerta, utilizando a frase bíblica “com Deus não se brinca”.

— LEIA também de Silvan Cardoso: O Evangelho segundo César, o destino final.

A encenação do conflito de Deus e diabo aconteceu na comissão de frente da escola paulista e as imagens desse “conflito”, em incontáveis publicações, são definidas por muitos internautas brasileiros e seus seguidores como ponto de partida e razão maior do surgimento da pandemia da covid-19. Muitos afirmam que depois desse desfile “em 2020”, o mundo “nunca mais foi o mesmo”.

Afirmou-se que brincar com Deus dessa forma foi o ápice para que a nova doença, originada na cidade de Wuhan, na China, tomasse conta do planeta. Muitos oportunistas escreveram textos ou fizeram vídeos sem qualquer sentido como forma de conquistar curtidas e aprovação das pessoas assustadas com tal ocorrido.

Que tal pararmos pra pensar um pouco sobre esse assunto, juntarmos as informações corretamente e termos uma conclusão mais coerente em relação ao Carnaval, à doença e às pessoas?

A preocupação maior nessa questão não são nem as informações inventadas, mas as pessoas que compartilham essas informações e aceitam qualquer manchete de qualquer fonte, sem ao menos procurarem saber se aquilo é verdade e se a origem é confiável; se é um trecho de um vídeo, não tentam encontrar como é o dito vídeo na íntegra e do que ele realmente fala; se é link de uma reportagem, conformam-se em ler somente o título, já que não são todos que acessam a página para lerem o texto.

Dessa forma, percebe-se que é muito fácil enganar as pessoas com informações falsas, e assim se tornam caminhos acessíveis para circular mentiras que, de tanto serem compartilhadas, acabam virando “verdades”.

As pessoas, que são incapazes de encarar o mundo real e que acabam se deixando dominar pelo mundo virtual, tornam-se “juízes” de muitas situações que elas desconhecem por inteiro, acusando alguns por terem “desafiado” e “derrotado” Jesus num desfile de Carnaval, quando nós mesmos desafiamos, derrotamos e muitas vezes até matamos Jesus todos os dias, senão em várias horas do dia.

Procuramos problemas nos outros, quando muitas vezes não reparamos o problema que há em cada um de nós. E há uma pergunta que circula no ar: será que o bondoso Deus, em um momento de fúria, faria surgir uma pandemia só por causa de uma encenação de Carnaval mal interpretada pelos que assistiram?


“Percebe-se que é muito fácil enganar as pessoas com informações falsas”


No dia a dia testemunhamos ou até vivemos situações dignas de castigos divinos, chegando a surgir inclusive de religiosos fanáticos de várias igrejas cristãs, seja católica ou protestante. Quantas pessoas pelo mundo não acreditam em Deus e quantas o desafiam?

Quantos conflitos e guerras existem pela Terra e quantos combatentes matam outras pessoas em nome de Deus ou de qualquer outra fé? Quantos são aqueles que pegam Bíblias e jogam fora, queimam, sujam, dizem que se trata de um livro mitológico e até afirmam que Deus nem existe?

Violências, crimes e tudo que dizem que Deus abomina acontecem todos os dias. Um dia ou outro vêm notícias de padres ou pastores pedófilos, que ostentam e que usam seus fiéis e a igreja para se darem bem financeiramente. São pais e filhos que matam uns aos outros, pessoas escravizadas, crianças que sofrem abusos sexuais, entre outros acontecimentos ideais para que se faça no mundo muitas catástrofes. Mas, como se vê nas redes sociais, Deus não quer saber disso. Uma encenação de Carnaval já é motivo o bastante para que o Criador do universo possa se horrorizar com a sua criação e fazer a humanidade sofrer.

Ocorreram muitos acontecimentos passados que foram contrários aos ensinamentos divinos também, como a obra de José Saramago, escritor português que conquistou o prêmio Camões e o Nobel de Literatura, que entre seus livros, está o polêmico “O evangelho segundo Jesus Cristo”. O escritor era ateu, falava e escrevia mal de Deus e teve até que morar em outro país devido seus pensamentos e suas obras. Surgiu algum surto por causa disso?

Se hoje em dia costumamos ouvir de alguém a frase “é o fim dos tempos” quando se depara com um acontecimento recente que seja lamentável ou aterrorizante, é porque esse alguém ainda não sabe ou ignora o verdadeiro terror que existia na antiguidade.

O passado é regado de fatos assustadores, que são pouco explorados nas escolas ou até nos catecismos para o conhecimento da população, como a Santa Inquisição, uma instituição que perseguia, julgava e torturava pessoas que faziam práticas contrárias ao pensamento da Igreja na época.

Falando em igreja, líderes, que deveriam ser exemplares, cometeram atitudes que valeriam uma pandemia por cada ação maliciosa, como o papa João XII, do século I, que, segundo historiadores, estuprava mulheres, castrava padres e mandava matar quem o acusava de seus atos; o papa Inocêncio IV, do século XIII, que criou a bula “Ad Extirpanda”, de 1252, que autorizava e regulamantava o uso da tortura pela Inquisição; o papa Leão X, que ostentava com o dinheiro da igreja e cobrava pelo perdão dos pecados, atitudes essas, entre muitas outras, que motivaram a Reforma Protestante, além de outros papas criminosos que são omitidos pelos ensinamentos da Igreja.

Entretanto, continuando a narrativa histórica, a pandemia da covid-19 não é a primeira e não será a última que aterrorizará a humanidade, infelizmente. Outras doenças passadas destruíram vidas e sonhos, como a Peste Negra, no século XIV, a Varíola, que vitimou um faraó, uma rainha da Inglaterra e um rei francês num passado distante, o Cólera, a Gripe Espanhola, que matou dezenas de milhões de pessoas pelo mundo, além de ter vitimado no Brasil em 1919 um Presidente da República, entre muitos outros brasileiros.

Muitos erros precisam ser consertados nas informações que circulam pela Internet durante a atual pandemia, fato que dependerá das pessoas que se conectam e compartilham o que olham nas redes sociais. Um dos erros é quando informam que depois do desfile polêmico da escola Gaviões da Fiel, não teve mais Carnaval, além desse desfile também ter motivado a propagação da doença pelo planeta.

No entanto, o desfile tão questionado, que tinha como samba-enredo “A saliva do santo e o veneno da serpente”, aconteceu no dia 3 de março de 2019. A doença só surgiria no final desse mesmo ano, e estaria ao conhecimento de mais pessoas quando o oftalmologista Li Wenliang, no dia 30 de dezembro, enviaria mensagens para amigos médicos alertando sobre o surto, mesmo que ele não fosse levado a sério no começo. Wenliang morreria com covid-19 no dia 07 de fevereiro de 2020 com apenas 34 anos.

Daria tempo para a escola Gaviões da Fiel realizar mais um desfile, no dia 22 de fevereiro de 2020, que tinha como samba-enredo “Não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e explode não sei porquê”. A covid-19 só seria declarada pandemia de forma oficial no dia 11 de março de 2020, ou seja, muito depois do polêmico desfile ainda teve mais um Carnaval, derrubando a mentira de que a doença surgiria depois da famosa encenação.

Outra mentira que circulou nas redes sociais era de que o ator que fez o papel do diabo teria morrido num acidente. Aquilo foi considerado para muitos como um castigo divino. E como foi compartilhado pelas pessoas! Contudo, páginas na Internet que desmentem boatos mostraram que tal informação havia sido mesmo inventada, sem falar que outros atores sofreram perseguições de pessoas que não aceitavam o resultado mal interpretado das imagens vistas pela comissão de frente da escola de samba.

Como muitas pessoas não têm o hábito de ler a reportagem, especialmente quando é um texto um pouco longo, talvez nem chegarão a esse parágrafo. Uma pena. Mas para quem está lendo até aqui, parabéns! Recomendo que mostre aqueles que estão ocupados compartilhando fuxicos, vídeos fragmentados e com o seu contexto alterado e fotos com legendas absurdas, para essas pessoas absorverem um pouco da mensagem que tento repassar através desses parágrafos.

Muitos ignorantes continuarão a compartilhar a foto do diabo arrastando Jesus no chão naquele fatídico desfile, agirão como moralistas e falarão que Deus não aceita esse “acontecimento vergonhoso”, ao mesmo tempo que haverá em seus pensamentos a sujeira da pessoa que diz uma coisa, mas que pensa e age de forma maliciosa.

— Crônica: Padilha preso à cadeira de rodas: o tédio da vida. Por Silvan Cardoso

O mundo continuará a ter conflitos, preconceitos e acusações. As mais variadas maldades persistirão dentro de casa, nas ruas, no trabalho, Deus será ignorado e até esquecido, mas, conforme os internautas que compartilham informações sem saber da procedência, apenas um desfile de Carnaval é que causará essa terrível maldição, que é a pandemia de Covid-19. É lamentável e preocupante. É triste e desmotivador saber que, embora a doença tenha surgido na China, foi no Brasil que se viu a razão da doença se espalhar pelo globo e destruir vidas de crianças, jovens, adultos e idosos.

Mas antes que se compartilhe certas informação recebidas pelos aplicativos de mensagens, é preciso checar a veracidade de tudo e começar a contribuir aos poucos para dar força à verdade, notavelmente abalada pelos internautas que parece que foram programados para compartilhar qualquer notícia – falsa ou verdadeira – para o público, muitas vezes despreparado para receber qualquer informação.

Todos os dias Jesus morre em nossas bocas, em nossos pensamentos e em nossas atitudes. Mas não são todos que têm a humildade de reconhecer o próprio erro. Estão, na verdade, sempre preparados para condenar os erros dos outros.

<strong>Silvan Cardoso</strong>
Silvan Cardoso

É poeta, cronista e pedagogo. Escreve regularmente no JC.


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