
Por Jeso Carneiro (*)
Em tempos de IA (Inteligência Artificial), uma constatação inquietante: desceu vários degraus na evolução o homo sapies (homem sábio) ao se converter em homo multitarefa.
A atenção dividida entre o celular, o prato com pato no tucupi e jambu, o novo hit da Gaby Amaranto e a namorada com quem o rapaz troca olhares e monossílabos na mesa do restaurante é, segundo o filósofo Byung-Chul Han, retrocesso civilizatório.
O homem nesse passo atrás, volta à vida selvagem. Em que o imperativo é sobreviver. O homo multitarefa não vive, sobrevive. Não degusta, come. Não faz amor, copula. Tem pressa, trabalha feito um Sísifo.
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Com a presa sob os pés, após sangrenta e vitoriosa caçada, ele não se desliga.
Atento à proteção da fêmea e filhotes, observa os rivais predadores como ele no entorno, e não tira a vista de uma potencial contraofensiva do bando do qual a sua caça do dia virou alvo certeiro.
O homo multitarefa, por não ter foco, perdeu o hábito da contemplação; olha, olha, olha, mas não observa, não capta os detalhes, as nuances.
Digita, passa os dedos na tela infinita, curte, comenta, escuta o áudio, sorri para a lente da selfie, clica e dispara a foto para o WhatsAPP, Facebook, Instagram, X, TikTok – num ritmo tresloucado, alucinado, frenético. Dopaminizado.
Madrugada adentro, cai exausto no sono. Enfim, ínfimo período, desaba na pausa monotarefa do descanso, parco oxigênio da sua sobrevida. Adormece com o smartphone pipocando em pisca-piscas notificações configuradas para o modo sempre alerta.
O dia mal amanhece e a vida selvagem do homo multitarefa ad nauseam se repete. Acelerada. Sem pausas para livros, para o offline, o tête-à-tête, a contemplação que revigora, sem pausas para o tédio, o ócio, o devagar-que-se-chega-longe.
A IA espreita os últimos homo sapies. Estão na montanha. Lá embaixo, na savana, a manada de homo multitarefas é de perder de vista.
Presta atenção!
(*) Jeso Carneiro é jornalista e editor-chefe do JC. Leia também dele: João Pingarilho, as oligarquias e colo macio do MDB e Inimigos, Maias e Martins se uniram pra te fazer de Zé.
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Texto irretocável, Jeso!….
Concordo plenamente: Perdemos a capacidade de contemplar, de perceber as entrelinhas, de silenciar para captar a essência do momento ( e dos acontecimentos!). Somos afoitos em responder, julgar, falar, definir e conceituar problemas complexos com a mesma rapidez de um clique. Sequestraram-nos o hábito da reflexão.
Somos muito barulhentos, Jeso. Um barulho exterior (e interior!) que é muito mais que o emudecimento das nossas cordas vocais, mas o resultado de mentes atormentadas por informações rasas que nos violentam o dia inteiro através dos nossos smartphones.
Cirúrgicas, Célia, as tuas observações, que enriquecem muito e muito o texto. “Sequestraram-nos o hábito da reflexão”, que potência de frase!
Verdade ,concordo com o texto ,ninguém conversa um olhando de frente pro outro ,nas reuniões familiares todos estão perto porém longe ,pois cada um tem seu celular ,infelizmente é isso,estamos deixando de observar realmente o que interessa as coisas boas ,a natureza por exemplo,pois temos que estar dando respostas nas redes sociais ..
Bem observado, Glória. “Todos tão perto, porém longe…”.