
Tive a honra de participar do Festival Folclórico de Óbidos, na condição de jurado. E o privilégio de assistir a um belíssimo espetáculo fruto do talento, disciplina e criatividade dos componentes das diversas agremiações folclóricas de Óbidos, Oriximiná e Santarém.
Cidade que não conhecia, tive apenas alguns momentos no porto quando em viagem de barco indo ou vindo do Amazonas. Me parecia uma cidade pacata e silenciosa, apesar de saber da fama de seu Carnaval.
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Chegando em um sábado quase à tardinha, a impressão que tinha sobre a cidade se fortaleceu, pouquíssimas pessoas nas ruas, nenhum trânsito de veículos e o silêncio quase incômodo para quem esperava ver gente e movimento.
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Impressões apresadas nos induz a enganos. Foi o que constatei ao ser apresentado ao Arraiá dos Pauxís. Um grande e animado público aguardava o espetáculo, que iniciou dentro do horário previsto.
Toda cidade, especialmente as mais antigas, tem suas peculiaridades e cultura. A discrição e tranquilidade pode ser uma característica da cultura local, longe de serem pacatos, quem sabe prefiram fazer suas festas nos quintais e terreiros, do que à porta da rua. E o seu contagiante Carnaval talvez seja o momento de catarse do povo obidense.
O Arraiá dos Pauxis é uma competição festiva dividida em duas categorias, Carimbó e Quadrilha Junina, e é vivido com entusiasmo pelos grupos participantes e espectadores. Assistir às apresentações, ver o comprometimento das equipes de apoio e a performance artística dos componentes, para mim, foi uma experiência emocionante.
O festival teve início com as apresentações de carimbó. Apenas três grupos, e foram três apresentações surpreendentes. A começar pelos temas: A contribuição cultural e religiosa dos povos africanos na formação do Brasil e o triste período da escravidão; A importância de nossos rios e a vida do ribeirinho; A fé como motivadora da esperança e sua relação com a cultura e o meio ambiente.
Não foram apenas os carimbós, também as apresentações dos seis grupos de quadrilha junina trouxeram temas que dialogavam com a religiosidade, a cultura e identidade regional, as lendas e encantarias que povoam o imaginário amazônico.
Tudo foi surpreendente, a excelente organização, um público participativo, atento aos espetáculos e com enorme respeito para com os grupos visitantes. Ocorreu um fato inesperado. Ao final da apresentação dos grupos de carimbó, caiu uma forte chuva. Não houve alvoroço, nem acidentes, o público se retirou de maneira tranquila e ordenada, um exemplo de civilidade. E retornou lotando novamente o espaço para assistir as quadrilhas.
Um grande espetáculo com muito talento envolvido. A vibrante apresentação e excelente coreografia dos dançarinos do grupo Coração da Amazônia; o Carimbó da Terra, de Curuaí, que iniciou seu espetáculo com uma comovente procissão, sua deslumbrante indumentária e sincronia perfeita de seu bailado; a excepcional performance de Gracerlane Farias do Swing de Carimbó, artista brilhante que repetiu o feito fazendo uma apresentação campeã com a Quadrilha Sensação Junina.
O concurso de quadrilhas foi uma saudável disputa entre Oriximiná e Óbidos, cada cidade apresentando três quadrilhas; Oriximiná defendendo o título de 2024. As excelentes apresentações das quadrilhas Baila Comigo e LumiArte, de Oriximiná, evidenciam o elevado nível artístico de seu festival folclórico.
Mas enfrentaram uma apresentação perfeita da Sensação Junina, de Óbidos, que uniu o bailado tradicional com ousadias inovadoras em suas coreografias e um excelente tema magistralmente desenvolvido por seus componentes.
A forma natural como a religiosidade se insere nos espetáculos é a comprovação de que cultura e religião podem estar integradas em um contexto de elevação cultural e espiritual. O moralismo que as opõe é fundamentalismo que se deve combater.
A trilha musical, condutora dos espetáculos, junto com a narrativa do apresentador, é outro destaque essencial para o êxito das apresentações. E foi bem construída, fugindo ao óbvio, por Carimbó da Terra e Sensação Junina, os campeões do Arraiá dos Pauxis.
A manifestação folclórica existe na quase totalidade dos municípios brasileiros, quase sempre, têm sua preservação mantida por gerações mais velhas. Festas como o reizado, congada, folia de reis, estão com sua existência sob risco, por não estarem conseguindo contagiar as novas gerações.
Aqui em nossa região o folclore é pop, é a juventude que o carrega no colo. O carimbó está de tal modo integrado à vida cotidiana que pode-se afirmar que é parte essencial de nossa identidade amazônica. O folclore tem força transformadora, envolvendo nossa juventude em atividade lúdico artística que muito contribui para o fortalecimento da identidade regional.
Aqui ocorre um exemplo da cultura em movimento, a forma como os espetáculos vem se apropriando de outras linguagens artísticas, inserindo teatro de comédia, teatro dramático, a dança contemporânea; os adereços e painéis com pintura artística, efeitos pirotécnicos e a presença de pequenas e médias alegorias, que fazem parte da narrativa, evidenciam um processo evolutivo indicando que esses espetáculos caminham para um formato cada dia mais grandioso e multi-artes. O que não os descaracteriza, mas os revitaliza.

Os que vivem em uma sentinela estão sempre atentos e enxergam longe, Óbidos não é sentinela da Amazônia à toa. Quem plantou a semente do Festival Intermunicipal Arraiá dos Pauxis o fez em terreno fértil.
A cidade reúne as condições que nenhuma outra pode oferecer: tem um magnifico espaço capaz de abrigar tendas para os grupos, área de alimentação e arquibancadas para receber um grande público.
Sua localização é estratégica, pode-se chegar de Terra Santa, Oriximiná, Alenquer e Monte Alegre por via terrestre; é próximo de Santarém, o que inclui Belterra, Mojuí dos Campos e Curuai e próximo de Juruti. E há o engajamento dos grupos folclóricos e da Secretaria Municipal de Cultura no fortalecimento do evento.
Santarém tem o Çairé e o agora cinquentão festival folclórico; Juruti tem o Festribal, Alenquer está revitalizando o seu festival folclórico com Zé Matuto e Matutando; Oriximiná tem o seu tradicional festival junino. Em todos os municípios do Tapajós se celebra as festas juninas e existem agremiações folclóricas. Por que não um grande festival de dois ou três dias na cidade de Óbidos? Uma celebração com o melhor do folclore regional.
As prefeituras poderiam estimular essa integração viabilizando, com condições dignas (transporte, hospedagem e alimentação), a participação de um ou dois de seus mais destacados grupos, no Festival Intermunicipal Arraiá dos Pauxis.
Os políticos, que com suas emendas, têm mais dinheiro para investir que muita prefeitura, também podem disponibilizar emendas para transformar o que já é bom em um grande evento cultural, com reflexos positivos por toda região.
Não é favor, não é ajuda, é um investimento estratégico e política de integração regional, que está sendo negligenciada. É estimulo a um produto cultural em franco desenvolvimento artístico, que vem expandindo seu público e com enorme potencial turístico, especialmente o regional.
Existe uma acomodação ou receio de nossos políticos em melindrar ou mesmo sair debaixo das asas dos Barbalhos, enquanto eles implodem o oeste e sudeste do Pará em pedaços administrativos sem recursos e poder de investimentos.
Todos sabem, fingem-se de cegos e batem cabeça para a famiglia, que precisa de uma quarentena fora do poder. E tudo é válido, desde que não seja um bolsonarista, eles andam pedindo a invasão dos norte-americanos para salvar um espantalho.


⚀ Paulo Cidmil (*) é diretor de produção artística e ativista cultural. Santareno, escreve regularmente no portal JC. Ele está no YouTube e no Instagram. Siga-o nessas plataformas! Leia também dele: Após a vitória envergonhada, Zé enfrenta a hidra de 7 cabeças. E ainda: Protagonismo amazônida.
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