Sexismo e misoginia como ferramentas de opressão. Por Regiane Pimentel

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Sexismo e misoginia como ferramentas de opressão. Por Regiane Pimentel

Hoje meu artigo seria sobre outro tema. Mas aconteceu algo essa semana que me tocou, e eu não posso deixar de falar sobre isso. E tem que ser agora, hoje.

Uma parlamentar americana chamada Alexandria Ocasio-Cortez denunciou que sofreu insulto sexista por colega congressista e, em um discurso forte, alertou para o perigo de normalizar esse tipo de agressão.

Como mulher e feminista, indico inclusive que todas as mulheres que estão lendo esse meu artigo assistam a esse vídeo da deputada que foi ofendida, assistam mulheres por favor!

Regiane *

Como é difícil para um homem e para a sociedade em geral respeitar o lugar de fala de uma mulher eleita democraticamente. A gente percebe nesse caso em questão a misoginia que ronda esse meio político. Quantas outras parlamentares não sofrem com esse tipo de coisa e nem sabemos, nem todas vêm à público falar.

Sabem por quê elas não denunciam? Por que serão julgadas, serão massacradas, serão expostas, vasculharão sua vida para desqualificar suas ações, farão de tudo para que elas saiam como vilãs. É mais ou menos o que ocorre com mulheres que são vítimas de assédio e estupro. Só sua palavra não basta.

Elas passam por um processo covarde de exposição, seu passado é vasculhado na tentativa de justificar algo que simplesmente não tem justificativa, pois é crime.

Eu mesma já cansei de ver mulheres sofrendo pra denunciar casos de estupro e assédio. Os julgamentos  são muitos, elas não são acolhidas e sofrem retaliação até de outras mulheres. Por isso, muitas mulheres preferem se calar. Mas vamos deixar esse tema para um outro artigo.

 

Bom, ofensas sexistas não são apenas exclusividade desse meio político, sofremos abusos de todas as formas e em todos os lugares. Passamos por isso em nosso ambiente familiar, amoroso, profissional e afins.

Percebemos isso naquele colega que não deixa você terminar uma frase, que repete o que você acabou de dizer como se a frase fosse dele, aquele amigo do trabalho que rouba sua ideia, o seu marido que não deixa você realizar seus sonhos porque quer que o ajude a realizar os dele, seu filho que não respeita seu descanso e não te deixa ler um livro e acha que ser mãe é uma profissão, seu pai que quer escolher seus parceiros e a carreira que vai seguir, sua mãe que te faz acreditar que casamento não é opressor mesmo ela estando em um que a anulou por décadas.

De alguma maneira esses abusos foram normalizados, e às vezes achamos que isso faz parte do tratamento que merecemos, mas não faz gente, não faz e não podemos permitir que faça.

Eu sei que não é fácil, eu sei. A socialização é forte, somos ensinadas a obedecer os homens que nos rodeiam, nossos pais, irmão e maridos, mas temos que quebrar essa barreira patriarcal, ser nós mesmas ainda é um desafio, falar o que pensamos ainda é afrontoso, dizer não sem precisar de justificativas ainda é visto como desobediência quando estamos apenas expressando nossas vontades.

Na verdade estamos apenas exercendo um papel que o patriarcalismo nos negou durante séculos, de sermos nós mesmas, seres com vontades próprias e individuais.

Você, mulher, não precisa entrar em nenhum estereótipo pra ser considerada mais mulher. Não caia nessa, isso vai lhe frustrar por muitos anos. A gente não precisa de homem ou de um casamento para encontrar a felicidade, só case se for uma vontade sua, e não porque pessoas que nem lhe conhecem lhe cobram isso.

Não precisamos ter filhos, não precisamos conhecer a maternidade para sermos mais mulheres, pelo amor de Deus, esse é outro estereótipo covarde que colocam nas nossas cabeças.


“A maternidade e o amor materno são construções ideológicas e, atualmente, há uma imposição social para que a mulher se torne mãe”


Ser mãe é solitário demais. Você se anula, adia seus sonhos, às vezes adia pra sempre, tem que abrir mão de sua carreira em alguns casos, seu corpo também passa por transformações físicas e hormonais, então tem que ser uma decisão só sua, inclusive tem que ser uma decisão mais sua do que do seu parceiro, porque a vida dele não vai parar um segundo ao ser pai, e você uma hora vai se  frustrar por isso.

Ser mãe é uma decisão muito séria e só cabe à mulher. E para as que não querem ser mães está tudo bem, você não será menos mulher por isso como a sociedade prega, somos muito além do que um aparelho reprodutor.

A maternidade e o amor materno são construções ideológicas e, atualmente, há uma imposição social para que a mulher se torne mãe, o patriarcado prega que ela só atingirá sua plenitude dessa forma. Na prática, a mulher que diz que não quer ter filho é acusada de ser egoísta, de detestar crianças e, supõe-se, está destinada a ser solitária pelo resto da vida e nunca conhecer o verdadeiro amor. E isso não é verdade.

Volto a dizer que mulheres são seres individuais com vontades próprias. Podemos encontrar plenitude sim fora da maternidade, claro. Muitas encontram em viagens, em seus estudos, em suas carreiras, em seus livros, há infinitas formas de sermos felizes e plenas.

Não projete em alguém que ainda nem nasceu seus sonhos e expectativas, criança nenhuma merece nascer com esse estigma. A solidão nos dia atuais é muito subjetiva. Uma coisa eu garanto: ter filhos ou marido não vai suprir seus dias tristes e solitários, porque nenhum outro ser humano pode preencher isso, é impossível, essa é uma tarefa apenas nossa, só nossa. E quando entendemos isso, quando compreendemos que a felicidade não pode vir do outro e não está fora da gente, nossa vida se torna mais leve.

Voltamos ao discurso da deputada que me inspirou para esse artigo. Ela também diz que um homem não se torna alguém decente por ter uma filha ou uma esposa. E é exatamente isso.

Mulheres ainda são usadas para justificar abusos, para normalizar machismo. São usadas em jogos políticos também, quantos homens escrotos não conhecemos que usam a família como escudo para parecer que são boas pessoas.

Quantas vezes não vi homens praticarem coisas erradas e a sociedade falar “poxa ele era bem casado”, “poxa ele tem uma filha”. Gente ter família ou filhas não impede que homens pratiquem abusos ou crimes. Vamos parar de associar a figura da mulher a esse tipo de coisa, quando praticamos essas falas sexistas também estamos contribuindo para fortalecer a misoginia.

O homem para ser decente precisa ter caráter e isso nada tem a ver em ter filhas ou esposas, te a ver em ser ético, tem a ver com suas ações e sua história, é ter palavra, agir com educação, a pedir desculpas quando errar e não repetir o erro, é agir com maturidade. Mulheres não podem jamais ser responsabilizadas pelas merdas que os homens que as rodeiam fazem e usá-las como moeda de troca para justificar machismo é repugnante, não podemos permitir isso.

 

Mulher é uma pessoa adulta do sexo feminino que pode ter qualquer personalidade, qualquer gosto, vestir qualquer coisa. E não uma pessoa com um tipo de gosto, um tipo de personalidade.

Nós precisamos romper com os padrões que amarram ao nosso sexo para controlar a nossa capacidade e nos submeter a homens. Nós não queremos reivindicá-lo. Esse é o princípio básico do movimento de libertação das mulheres: somos humanas, não objetos.

Nada e nem ninguém nos ensina como é possível amar mulheres enquanto pessoas e seres humanos. Homens são ensinados a amar a feminilidade e não mulheres. Mas mulheres são isso: somos pessoas, seres humanos individuais e com vontades próprias, não somos a extensão de ninguém, nem de filhos e nem de maridos, somos seres completos.

Somos pessoas, não somos divas, nem princesas, nem rainhas, nem beldades, nem divindades e nem somos sagradas. Para amar de verdade as mulheres basta enxergá-las como elas de fato são.


— * Regiane Pimentel é assessora do DEM, bacharel em direito, feminista e ativista social. Reside em Santarém (PA). Escreve todos os domingos no blog sobre feminismo.

LEIA também de Regiane Pimentel:

Epidemia de feminicídio escancara o machismo estrutural.

Machismo estrutural institucionalizado pelo STJ.

Vamos falar de consentimento. Mas que fique claro: não é não.


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One Response to Sexismo e misoginia como ferramentas de opressão. Por Regiane Pimentel

  • Obrigada pelo artigo querida,necessário sempre,especialmente nos dias amargos que vivemos…

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