O meliante graúdo e o direito de calar

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Do historiador e advogado Ismaelino Valente, sobre o artigo Silêncio legal do Cachoeira, da lavra de José Ronaldo Dias Campos:

ConstituiçãoMestre José Ronaldo Dias Campos, como professor, está certo, “de lege lata”: se está na Constituição, é para ser cumprido.

Mas eu gostaria de dar um pitacozinho sobre o assunto.

As garantias individuais asseguradas pela Constituição foram escritas num momento de transição para a democracia.

Saíamos de uma ditadura braba, e o que pairava no ar, na Constituinte, era a trágica lembrança das confissões obtidas sob tortura nos porões do DOI-CODI.

Então, precisava ser insculpido na Carta Magna um princípio que livrasse o acusado de confessar debaixo de cacete.

Hoje, vivemos um momento histórico completamente diferente. Tanto que a esquerda está no poder e até já começa a caçar os torturadores, via Comissão da Verdade.

Portanto, quer nas CPIs, quer no Judiciário, e, em presumo, até mesmo perante as autoridades policiais, ninguém mais depõe atado no pau de arara ou tomando choque elétrico nos testículos.

A regra de não ter que dizer a verdade perdeu o sentido.

Deixou de ser uma garantia dos homens de bem para se tornar unicamente uma válvula de escape, uma rota de fuga, para os homens de bens.

Qualquer bandido ou contraventor enche a boca e brada: “De acordo com a Constituição, nada tenho a declarar…”

Não, senhor! Que é isso? Tem, sim!! Ou devia ter!!!

A ninguém é dado o direito de esconder, escamotear, sonegar ou mascarar a verdade.

Nem o Santo Padre tem esse direito. Aliás, ele já devia ter sido compelido a revelar o tal 3º Segredo de Fátima. É seu dever para com o mundo, católico ou não.

E, em matéria penal, é que não pode haver mesmo esse direito. Ou pelo menos não deveria haver. Ainda mais quando se trata de roubo de dinheiro público.

Todo meliante de colarinho branco tinha, sim, que dizer a verdade, sob juramento (não sob tortura, é claro). E o seu silêncio deveria ser entendido como confissão (quem cala consente), porque ele está apenas querendo ludibriar a Justiça.

Do jeito que a coisa está, a confissão, como prova em matéria penal, virou peça ficção.

Na CPMI, a cara de paisagem do Carlinhos Cachoeira, negando-se a responder sobre o cipoal de crimes dos quais está sendo acusado, e ainda mais quando ao seu lado estava o ex-ministro da (in)justiça, deixou-nos a todos “com cara de sinhá maquinha cadê o frade”.

Está mais do que na hora de reescrever a norma constitucional que confere aos patifes – somente aos patifes, porque estou por ver um homem honrado recusar-se a dizer a verdade – o direito de calar perante a Justiça.


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10 Comentários em O meliante graúdo e o direito de calar

  • uma sociedade leniente e conivnte com a corrupção sempre produzirá zé dirceus, delubios , cachoeiras, demóstenes que sempre terão os mais caros advogados a interpretarem os mendros obíquos das teorias juridicas para defender seus clientes !!! e advogados vivemdo caos e da desordem moral de uma sociedade infantilmentealienada da cidadania e mortalmente corrompida em seus mais elementares principios éticos !!! dai que quato mai piorar esse quadro mais serviço eles terão !!! é um filão inesgotável !!!!!

    1. Cuidado… vc pode precisar dos serviços de um deles, se é que já não precisou!!!

      Afinal, ninguém é tão certinho assim (ou sabe tudo de tudo) de modo a não precisar dos serviços (orientações) de um advogado, imprescindível à administração da Justiça. Não generalize.

  • Amigo Ismaelino, dei gargalhadas lendo a parte final de sua mensagem de 08:37h no texto do Zé Ronaldo.A propósito de nossas diferenças de “cores” (falo “cores” em consideração ao amigo, pois de nossas aulas do Dom Amando sabemos que preto não é cor, o que também acontece com negro que é raça e não cor), leia uma história ou, melhor, estória do saudoso Lacrau no meu “DEZ ANOS DE VIDA”, no Blog de 22/05. Tenho certeza, v. vai dar gargalhadas. TAPAJOARAMENTE, abraços,

    1. Caríssimo Helvécio, assim como, a julgar pelas comentários neste post, tudo é uma questão de opinião, também quanto as cores, vale o que cada um pensa. A questão das cores pode ser vista de vários ângulos. Se em relação à cor-luz o branco é a reunião de todas as cores e o preto é a ausência de todas elas, do ponto de vista da cor-pigmento, o preto é a soma de todas as cores. Veja lá na Wikipédia. Portanto, continua valendo a máxima de que em cada peito azulino bate um coração de Pantera… Mas eu devo ser justo: o seu São Francisco está muito bem no ranking do futeboll paraense. Parabéns. Espero que o meu São Raimundo volte a brilhar, como quando se sagrou Campeão Brasileiro da Série D. Um abração.

  • O preço da liberdade é a eterna vigilância. Essa frase decantada, que segundo entendimento dominante teria sido proferida por um presidente estadunidense, nunca foi tão atual.
    Todos os dias os Direitos e Liberdades individuais demagogicamente são atacados em nome da de se fazer justiça. Mesmo juristas respeitados agem como se justiceiros fossem e datenasticamente procuram deslegitimar conquistas histórica como os princícios e garantias constitucionalmente consagradados.
    A tese do anacronismo é sedutora mais não mais que isso. Essa falácia não pode e nem deve prosperar. O devido processo legal em suas versões formal e substantiva devem ser obedecidos sob pena de cometerem-se as mais terríveis injustiças.
    No Brasil, princípios como a vedação à proibição da auto-incrimiação forçada foram sempre exceção em um mar de ditaduras como a que inaugurou a república, do Merechal de Ferro, Varguista, dos Militares de sessenta e quatro. Só que ignora a história ou flerta com a facismo pode pensar em democracia sem princípios jurídicos como esse.
    São os mecanismo institucionais, como os jurídicos e políticos, ferrolhos que impedem a reentrada das tiranias em cena. Nem um cidação pode ficar privado de socorrer-se a eles sob pena pena de ter-se uma república democrática de faz de contas.
    A democracia e seus pilares, jurídicos e políticos, tem de albergar a todos mesmo aqueles que atacam ainda que demagogicamente em seu próprio nome.

    Jonivaldo Sanches – Sociólogo especializado em Ciência Política

    1. Jonivaldo, “datenasticamente” foi ótimo.
      Edney, bem lembranda a intangibilidade.

  • Na tentativa de adicionar mais “carvão” a esse debate, principalmente entre os operadores de direito, e concordando parcialmente tanto com o Dr. Ismaelino Valente, quanto com o Dr. José Ronaldo Campos, faço referência a “Teoria do Mínimo Ético” de Jeremias Benthan que afirmava que o direito seria um conjunto mínimo de regras morais obrigatórias para a sobrevivência da moral e, consequentemente, da sociedade.
    O direito apenas atuaria como instrumento para o cumprimento destes preceitos morais básicos. Nesta teoria, parte-se fundamentalmente de que nem todos os indivíduos estão dispostos a aceitar todos os preceitos morais básicos à estabilidade social. Portanto, o direito seria como uma ferramenta que teria como função garantir o cumprimento deste mínimo ético necessário, por parte dos indivíduos, para a sobrevivência da sociedade. Assim, figurativamente o direito estaria contido dentro da moral. Seria o caso, então, de propiciar (o Direito) à CPI do Cachoeira e de outras mais, de instrumentos/regras jurídicas próprias que pudessem facilitar a apuração dos fatos sob investigação, tendo em mira os interesses da sociedade.
    Alguém assopra esse carvão ?

    1. Concordo com vc plenamente, porquanto o Direito como ciência escora-se nos critérios do justo e do equitativo, não se resumindo na norma, na lei, sendo esta apenas sua fonte primária, interpretada sempre, segundo métodos indicados pela doutrina. Norma<Direito<Moral, numa relação conteúdo/continente. A Moral é continente que deveria englobar o Direito, por conseguinte, a Norma, nesta ordem.

      Bye!

  • O difícil é saber, de antemão, sem o devido processo legal, quem são os “patifes” e quem são os “homens honrados”. Vejo, nos Representantes do Ministério Público (ou ex-representantes), uma tendência a querer relativizar os direitos humanos. Ao contrário, eles (direitos humanos) devem ser fortalecidos cada vez mais, para que não se dê brechas a arbitrariedades. É preferível um sistema que garanta aos acusados a presunção de inocência, o direito ao contraditório e à ampla defesa (o que inclui o de ficar ou permanecer calado), pois cabe ao acusador o ônus da prova, a um em que o acusado é culpado até prova em contrário. Os “torquemadas” de plantão ao se insurgirem contra garantias mundialmente reconhecidas esquecem os “anos de chumbo” ou têm saudades deles.

    1. Jeso
      Concordo com os advogados Marcos Antônio Vieira e José Ronaldo Dias Campos.
      Talvez pelo fato do Dr. Ismaelino Valente ser oriundo do Ministério Público (Quarto Poder??) – que possui homens honrados e outros nem tanto -, queira resolver as questões do “modo” do Parquet atropelando muitas vezes à lei para conseguir o resultado que quer produzir não o que deve ser produzido.
      Mas como ele próprio afirma, a Constituição tem que ser respeitada. Pode ter mudado o Regime Político, a Ditadura ter encerrado seu ciclo, que não justifica mais o silêncio, etc., etc., etc.
      A verdade é que o direito de permanecer calado é direito fundamental do cidadão protegido por cláusula de intangibilidade (pétrea), que não pode ser suprimido nem recortado pelo legislador constitutinte derivado (CRFB/88, art. 60, § 4º, inciso IV). Talvez um novo Pode Constituinte decorrente de uma verdadeira Revolução Popular possa alterá-la, talvez.
      Enquanto isso, como disse Márcio Thomaz Bastos: “… ele pode permanecer calado, se ele quiser, pode nem falar nada em Juízo…”
      A Ditadura Militar acabou,mas a Constituição está viva e deve ser respeitada, principalmente os direitos fundamentais individuais dos cidadãos, como o de parmecer em silêncio e de não produzir provas contra si.
      Saudações
      Edynei Silva
      Cidadão Altamirense e Santareno

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